Análise da Polícia Federal sobre o celular de um ex-auxiliar de gabinetes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) aponta o que seria “uma relação de confiança e intimidade” com o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, suspeito de intermediar um esquema de venda de decisões na corte.
Há indícios de que o investigado Márcio Toledo Pinto tenha deletado conversas e demais arquivos de mídia potencialmente relevantes
No mesmo documento, que está sob sigilo e foi obtido pela Folha, a PF diz que ele tentou ocultar provas das autoridades ao deletar conversas e arquivos de mídia potencialmente relevantes às apurações, entre elas uma com um ex-chefe de gabinete, também investigado.
O ex-auxiliar é Márcio José Toledo Pinto. Ele trabalhou nos gabinetes das ministras Nancy Andrighi e Isabel Gallotti, e foi afastado do cargo devido aos inquéritos. As duas não são investigadas.
Em troca de mensagens com sua esposa, Toledo faz comentários sobre a família de Andreson e encaminha fotos de um resort perto da usina de Itaipu, no Paraná, que pertenceria ao investigado. O patrimônio foi revelado pelo UOL. O celular também tinha comprovantes de depósitos de uma das empresas do lobista.
Os inquéritos sobre as suspeitas de venda de decisões e vazamentos de informações na corte são supervisionados pelo ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), responsável pela Operação Sisamnes.
Procurada, a defesa de Márcio Toledo afirma que se manifestará nos autos. A de Andreson diz, em nota, que “trata-se de caso rumoroso, pela natureza e consequências” e que “a defesa respeitará o sigilo imposto ao processo e somente se manifestará nele”.
O STJ, também procurado, disse que o servidor foi afastado e há apurações administrativas sobre o caso. As ministras têm afirmado que não se manifestam “sobre fatos e comportamentos de terceiros investigados pelo Supremo Tribunal Federal”.
As conversas
A análise da PF, assinada no dia 2 de maio, mostra menções ao lobista em conversas de Márcio Toledo com a esposa. Em uma delas, de outubro de 2023, ele encaminha uma foto de uma criança e diz “sobrinho do Andreson… o irmao dele estava noestadio alugado de vcs ontem…”.
Ela responde em áudio: “Que lindinho, meu Deus do céu! Coisa mais fofa”.
Ao avaliar a conversa, a Polícia Federal diz que “chama atenção o fato de Márcio possuir foto do suposto sobrinho (menor de idade) de Andreson Gonçalves, o que pode revelar, salvo melhor entendimento, estreito vínculo e relação de intimidade e confiança entre ambos”.
Em março de 2024, ele encaminha imagens do resort no Paraná que, embora não esteja em nome de Andreson, pertenceria a ele.
“É do Andreson”, diz Márcio Toledo, encaminhando imagens do local e afirmando que o filho do casal “vai ficar louco indo aí”.
Em mais uma conversa, em agosto de 2024, Márcio afirma para a esposa que está “indo no Andreson quando sair às 19h”.
Outra frente avaliada pela PF como relevante são as conversas que o ex-auxiliar possivelmente apagou do aparelho.
“Há indícios de que o investigado Márcio Toledo Pinto tenha deletado conversas e demais arquivos de mídia potencialmente relevantes para a investigação, na suposta tentativa de ocultar a conduta criminosa e eliminar evidências que possam indicar sua participação nos fatos ora investigados”, diz o documento.
Uma das conversas acontece com um número que seria de Andreson e está registrado no telefone como “Flamenguista”.
Há também indícios de mensagens apagadas entre Toledo e o número de Mirian Ribeiro Gonçalves, esposa de Andreson e investigada no inquérito, e um empregado da Florais Transportes, empresa do lobista.
Outra conversa apagada que chamou atenção dos investigadores foi com o investigado Daimler Alberto de Campos, que chefiou o gabinete da ministra Isabel Gallotti.
Daimler foi citado por Andreson em diálogos obtidos pela PF. Em conversas com terceiros, o lobista fala em cobranças de dinheiro do então chefe de gabinete. A investigação não apontou até o momento conversas diretas entre os dois.
A defesa de Daimler afirma que o seu cliente não cometeu nenhuma irregularidade.
No celular de Toledo também foram encontrados dois comprovantes de depósitos que somam R$ 115 mil, realizados em setembro passado.
As transferências são entre a Florais Transportes, de Andreson, e a empresa Marvan Logística, que pertence à esposa de Márcio Toledo.
“Quanto da formalização da análise bancária, plasmada aos autos, foram identificadas sucessivas transferências realizadas por Florais Transportes Ltda, em favor da empresa Marvan Logística e Transportes Ltda., entre os anos de 2021 e 2023”, completa o documento.
Toledo é investigado por movimentações realizadas em processos “com alteração e exclusão de minutas internas em poucos minutos, inviabilizando a visualização por outras pessoas”, segundo consta em decisão de Zanin. Ele foi alvo de busca e apreensão em novembro do ano passado.
Procurado, o STJ informou em nota que “em relação às divulgações de informações sigilosas, influência em decisões e demais infrações correlacionadas que possam ter sido praticados por servidores do STJ, foram abertos dois processos administrativos disciplinares uma sindicância investigativa”.
O tribunal afirma que três processos se encontram em andamento para apuração dos fatos relacionados.
“O servidor Márcio José Toledo Pinto foi inicialmente afastado administrativamente e agora se mantém afastado por decisão judicial do STF, deste modo, não está exercendo qualquer atividade de seu cargo no STJ”, diz a nota.