Legenda da foto, Beneficiários do SNAP acompanham de perto a votação do pacote de corte de impostos no CongressoArticle InformationAuthor, Ana FaguyRole, De Martinsburg (Virgínia Ocidental, EUA) para a BBC NewsHá 13 minutosElizabeth Butler vai de um supermercado a outro na sua cidade natal de Martinsburg, no Estado americano da Virgínia Ocidental, à procura do melhor preço de cada item da sua lista de compras.Butler faz parte dos 42 milhões de norte-americanos que pagam pelos produtos com subsídios federais para a compra de alimentos. Mas o dinheiro não cobre todos os mantimentos necessários para manter sua família de três pessoas.”Nossa comida não chega a durar um mês”, ela conta.Mas mesmo esse recurso pode acabar em breve. O Programa Suplementar de Assistência à Nutrição (SNAP, na sigla em inglês), no qual Butler está inscrita, é um dos programas sociais que entraram na mira do megapacote de corte de impostos do governo do presidente Donald Trump, apelidada de “big, beautiful bill” (grande e belo projeto de lei, em tradução literal).O texto prevê critérios de acesso mais rígidos ao programa, mudança que excluiria três milhões de seus atuais beneficiários, segundo estimativa do Escritório de Orçamento do Congresso dos EUA.O Senado votou e aprovou sua versão do projeto de lei nesta terça-feira (1/7). Ele retornou à Câmara e, caso passe na Casa, será encaminhada para sanção presidencial.Trump vem pressionando o Legislativo para que aprove o pacote até sexta-feira – 4 de julho, o dia da independência americana.A política por trás dos cortes no SNAPSimilar ao Bolsa Família oferecido no Brasil, o SNAP é um programa de subsídios que provê recursos às pessoas de baixa renda, incluindo americanos idosos, famílias com filhos e pessoas com deficiência, para compra de mantimentos todos os meses.A Virgínia Ocidental é um dos Estados americanos com maior índice de pobreza do país – e 16% da sua população depende do benefício do governo federal.O Estado é um fiel reduto republicano, que votou massivamente em Trump nas eleições de novembro passado. O então candidato prometeu reduzir o custo de vida para os cidadãos americanos, incluindo o preço dos mantimentos.”Quando eu vencer, começarei imediatamente a baixar os preços, a partir do primeiro dia”, declarou Trump em entrevista coletiva em agosto de 2024, rodeado de embalagens de alimentos, leite, carnes e ovos.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Durante a campanha eleitoral do ano passado, Trump prometeu baixar preços de alimentos se fosse novamente eleitoMeses depois da promessa, os preços de mantimentos comuns, como suco de laranja, ovos e bacon, estão mais altos do que na mesma época do ano passado.Este fato não passou despercebido por Elizabeth Butler. “O presidente ainda não alterou os preços dos alimentos, e ele prometeu às pessoas que faria isso”, relembra ela.Trump defende que o corte de gastos previsto no projeto de lei de mil páginas ajudará a reduzir os preços dos alimentos, mas não explica sobre como isso funcionaria.”O corte dará a todos muito mais comida, pois os preços irão despencar, os mantimentos irão cair”, afirmou o presidente, questionado especificamente sobre os cortes ao programa SNAP.”O Projeto de Lei único, grande e belo, em última análise, irá fortalecer o SNAP com medidas de compartilhamento de custos e exigências de trabalho baseadas no bom senso”, declarou uma autoridade da Casa Branca à BBC.Os republicanos se dividem há muito tempo sobre como financiar programas sociais como o SNAP e o Medicaid, voltado para saúde. Muitos acham que o governo deve priorizar o equilíbrio do orçamento, enquanto outros – especialmente os de regiões mais pobres – apoiam programas que ajudem diretamente seus eleitores.Da forma em que foi redigido o projeto de lei, os senadores republicanos propõem cortes de US$ 211 bilhões (cerca de R$ 1,15 trilhão) em Estados que são parcialmente responsáveis por compor a diferença.Teoricamente, a aprovação do projeto de lei deveria ser politicamente fácil, já que os republicanos controlam as duas câmaras do Congresso e a Casa Branca.Mas, como o projeto inclui cortes em programas como o SNAP e o Medicaid, que são populares junto aos americanos comuns, vender o texto para todas as facções do Partido Republicano não tem sido tarefa simples.’Se não tomarmos cuidado, as pessoas vão sair prejudicadas’Surgiram nas últimas semanas relatos de frustração e dissidência sobre os possíveis cortes ao Medicaid e ao SNAP. Eles demonstram a luta interna que ocorre dentro do partido.O senador Jim Justice, da Virgínia Ocidental, declarou em junho ao site Político ter alertado colegas republicanos que o corte do SNAP poderá custar ao partido sua maioria no Congresso, quando os eleitores voltarem às urnas em 2026.”Se não tomarmos cuidado, as pessoas serão prejudicadas, as pessoas ficarão irritadas”, segundo Justice.”Será a principal manchete dos noticiários noturnos em toda parte. E poderemos muito bem acordar com uma situação neste país em que a maioria rapidamente se torna minoria.”Uma pesquisa recente da agência de notícias Associated Press e do Centro NORC de Pesquisas sobre Assuntos Públicos concluiu que 45% dos americanos acreditam que programas de assistência alimentar como o SNAP recebem pouco financiamento e apenas 30% acham que os níveis de financiamento são adequados.Cerca de 25% dos participantes responderam que, para eles, os programas recebem dinheiro demais.Não é a primeira vez que o Partido Republicano debate cortes do SNAP, segundo a professora Tracy Roof, da Universidade de Richmond, nos Estados Unidos. Ela está escrevendo um livro sobre a história política do programa.No governo Joe Biden (2021-2025), o Congresso americano permitiu o encerramento dos benefícios que haviam sido ampliados durante a pandemia de covid-19, mesmo com os alertas de republicanos e democratas de que a medida poderia levar cidadãos americanos a passar fome.”Um ponto sobre [o SNAP] é o seu apoio bipartidário, mais do que qualquer outro programa de combate à pobreza”, destacou Roof à BBC.Mas, desta vez, tudo parece diferente, segundo ela.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O senador Jim Justice, do Estado americano da Virgínia Ocidental, alertou seus colegas republicanos que os cortes ao programa SNAP podem custar a maioria do seu partido no Congresso”Uma questão que meio que diferencia este período das tentativas anteriores de cortar programas de assistência social é a disposição dos congressistas republicanos de votar em coisas que aparentemente preocupam muitos deles longe das câmeras”, segundo ela.”Antes, sempre havia republicanos moderados nas duas Casas, particularmente no Senado, que promoviam concessões.”Roof atribui a submissão atual a dois motivos: medo de ficar contra Trump e falta de preocupação com a reação do público aos legisladores, que podem ser facilmente reeleitos às suas cadeiras no Congresso.A BBC questionou o deputado Riley Moore, representante de Martinsburg, na Virgínia Ocidental, sobre os impactos dos cortes sobre os seus eleitores, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.Moore votou a favor do projeto inicial da Câmara dos Representantes, que incluía os cortes do programa SNAP.O senador Josh Hawley, do Estado do Missouri, foi um dos mais vigorosos críticos dos cortes. Mas, desde então, ele suavizou sua posição.Hawley declarou ao portal jornalístico NOTUS que “sempre apoiou” a maior parte dos cortes do Medicaid e que “aceitaria” a maior parte do projeto de lei.’A única coisa que mantém vivos a mim e à minha família’Jordan é pai de dois filhos e sobrevive há três anos graças aos benefícios do programa SNAP. Ele pediu à reportagem que seu sobrenome não fosse divulgado.Ele e a esposa recebem mensalmente cerca de US$ 700 (cerca de R$ 3,8 mil) para alimentar sua família de quatro pessoas. Mas, ainda assim, enfrentam dificuldades.O jovem de 26 anos de idade afirma que sua esposa tem lutado para conseguir trabalho e cuidar dos dois filhos ao mesmo tempo. Por isso, se as mudanças do SNAP atingirem sua família, ele conta que está pronto para entrar em ação e conseguir um segundo emprego.Legenda da foto, Jordan é beneficiário do programa de apoio alimentar americano SNAP”Vou certamente fazer tudo o que puder para alimentar minha família”, afirma ele.Jordan e outros cidadãos da Virgínia Ocidental estão acompanhando qual será o desfecho do projeto de lei no Congresso.Cameron Whetzel tem 25 anos. Ele cresceu em uma família que dependia do SNAP.Mas, quando ele e sua esposa tentaram entrar no programa, ele foi informado que, por ganhar US$ 15 (R$ 81,50) por hora, ele estaria acima do limite para receber o benefício.”Não importa o fato de que preciso dobrar meu salário para conseguir comprar mantimentos”, afirma Whetzel. “Não compramos ovos há quatro meses, simplesmente porque eles estão caros demais.”Ele diz que está frustrado porque as autoridades em Washington não compreendem os impactos dos cortes que estão apoiando no Congresso.”Fazer um corte federal que recai sobre um Estado que já está em dificuldades parece meio que chutar um cavalo que está caído”, explica Whetzel. “Quer você acredite em um governo pequeno ou grande, o governo precisa cuidar das pessoas, de alguma forma.”Com colaboração de Meiying Wu e Bernd Debusmann Jr.
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