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Justiça cassa mandatos de prefeito, vice e vereador por compra de votos



Por Cleiton Túlio | Portal Mato Grosso
Um escândalo eleitoral que chacoalha a política de Brasnorte (a 580 km de Cuiabá), culminou na cassação dos mandatos do prefeito Edelo Marcelo Ferrari (União), da vice Roseli Borges de Araújo Gonçalves (União), e do vereador Gilmar da Obra (União). A decisão, assinada pelo juiz Romeu da Cunha Gomes, da 56ª Zona Eleitoral, nesta quarta-feira (02.07), revelando um esquema de abuso de poder econômico que explorou a vulnerabilidade da comunidade indígena Enawenê-Nawê nas eleições municipais de 2024.
O veredito da Justiça Eleitoral é contundente: uma nova eleição para os cargos de prefeito e vice-prefeito deverá ser convocada, tão logo a sentença transite em julgado ou seja confirmada por instância superior. O pano de fundo da cassação é uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que desvendou um complexo emaranhado de irregularidades destinadas a cooptar votos.
Votos em troca de “Benesses”: o esquema revelado
As investigações expuseram um modus operandi chocante: a compra de votos. A Justiça identificou que eleitores indígenas eram transportados ilegalmente até os locais de votação. Mas o “pacote” de “incentivos” ia além do transporte: incluía a oferta de dinheiro vivo, combustível e até mesmo frangos congelados, configurando uma clara afronta à liberdade e à lisura do processo democrático.
Além dos gestores cassados, a sentença atingiu em cheio outros envolvidos diretos no esquema. Rogério Gonçalves, João Gomes da Silva Júnior, Alexandre Augusto Gonçalves, Júnior Augusto Gonçalves e Gilmar Celso Gonçalves foram condenados à inelegibilidade por oito anos, a contar das eleições de 2024, em reconhecimento à sua participação decisiva nas práticas abusivas.
Curiosamente, o prefeito e a vice não tiveram sua inelegibilidade declarada. O magistrado justificou a decisão alegando a ausência de comprovação de participação dolosa ou anuência direta por parte de Edelo Marcelo Ferrari e Roseli Borges de Araújo Gonçalves, em linha com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Contudo, a decisão não exime a chapa do benefício direto gerado pelas irregularidades.
Provas “Robustas” e detalhes da trama
Na sentença, o juiz Romeu da Cunha Gomes foi categórico ao afirmar a existência de um “robusto conjunto probatório”. Depoimentos de indígenas e servidores públicos, vídeos, fotografias e comprovantes bancários formaram o arcabouço que confirmou a atuação deliberada dos investigados para manipular o pleito.
Entre os testemunhos cruciais, destaca-se o de uma servidora da Funai, que atuava como presidente de prédio da Justiça Eleitoral. Ela narrou a chegada irregular de dois ônibus à aldeia indígena na véspera da votação, um episódio que gerou tumulto e que só foi contido com a intervenção do Exército.
Outro depoimento revelador veio do empresário contratado para realizar o transporte dos eleitores. Ele confirmou ter sido procurado diretamente por Rogério Gonçalves, servidor comissionado da Prefeitura de Brasnorte e apontado como o principal articulador das ações. O pagamento, segundo o empresário, teria sido efetuado por João Gomes da Silva Júnior, outro servidor municipal, revelando a teia de cumplicidade dentro da estrutura pública.
O vereador Gilmar da Obra também não escapou: sua participação ativa nas ilicitudes foi confirmada. A sentença aponta sua presença em reuniões com os indígenas na véspera da eleição e sua designação como fiscal de urna nas seções eleitorais onde a maioria desses eleitores votou. Essa estratégia, para a Justiça, reforça o “vínculo direto” do parlamentar com a captação indevida de votos.
O benefício que mudou o jogo
Apesar da não inelegibilidade de prefeito e vice, o juiz foi enfático ao concluir que a chapa foi diretamente beneficiada pelo esquema. Os autos revelam que 96 eleitores indígenas compareceram às urnas e votaram, um número que se mostrou crucial para o resultado final do pleito, decidido por uma apertada diferença de apenas 155 votos.
“A atuação de Rogério, subordinado direto de Edelo, como coordenador do esquema, e a alocação dele como fiscal nas seções indígenas, demonstram a relação estreita entre a campanha e as práticas ilegais”, sublinhou o magistrado. A decisão reforça um entendimento consolidado: para caracterizar o abuso de poder econômico, não é essencial comprovar o conhecimento direto do candidato sobre os atos ilícitos. Basta que ele tenha sido beneficiado pelas práticas, maculando a integridade do processo eleitoral e o direito fundamental ao voto livre.



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