Ubá, ‘capital das plásticas’: o que está por trás da cidade que oferece cirurgias a preços imbatíveis



Crédito, João da Mata/BBC News BrasilArticle InformationAuthor, Giulia Granchi e João da Mata Role, Enviados da BBC News Brasil a Ubá, Minas GeraisHá 38 minutosDulcineia Luz, 47, saiu de Rondonópolis, Mato Grosso, e passou dois dias viajando de ônibus rumo a Ubá, em Minas Gerais, uma cidade que nunca havia visitado — e da qual, até poucas semanas antes, nunca sequer havia ouvido falar.Foram vídeos no TikTok que a apresentaram, por acaso, à cidade de cerca de 100 mil habitantes que, nas redes sociais, se vende como a “capital das plásticas”.”Minha irmã já tinha feito cirurgia e ficou maravilhosa. Eu não pensava em fazer também, mas quando vi no TikTok… Olhei para minha barriga caída e pensei: ‘Tô precisando’. Aí eu vim realizar esse sonho.”O principal atrativo que faz com que vídeos de mulheres recém-operadas dançando, ainda com suas cintas e drenos pós-cirúrgicos, somem milhões de visualizações e atraiam pessoas como Dulcineia, é o preço acessível.Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, Dulcineia Luz fotografada durante sua estadia na Casa das Irmãs Condé, local que oferece cuidados pós-operatórios para mulheres que vêm de outras cidades para realizar cirurgias em Ubá Em Ubá, é possível encontrar, por exemplo, a famosa cirurgia “x-tudo” (que consiste em elevação dos seios, remoção de gordura das costas com retirada do excesso de pele e gordura da barriga e possível aumento dos glúteos) por um total de R$ 18 mil — um valor que, em muitas capitais brasileiras, corresponde apenas ao custo de internação em hospitais de alto padrão.Também há ofertas de mastoplastia (cirurgia nas mamas) por menos de R$ 11 mil, incluindo custos de hospital e anestesista, e abdominoplastia (cirurgia no abdômen), por menos de R$ 9 mil — um preço mais de 50% abaixo da média em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.A depender do profissional escolhido, a única opção é pagar em dinheiro vivo.Diariamente, mulheres de diferentes partes do Brasil — e até algumas brasileiras morando no exterior — chegam a Ubá atraídas pela chance de renovar a autoestima por um preço acessível.Mas, para algumas pacientes, o que era um sonho se transformou em pesadelo, com resultados muito diferentes de suas expectativas, infecções e falta de assistência médica.Hoje, pelo menos seis cirurgiões plásticos realizam procedimentos diariamente em Ubá. Dois deles — Maurino Grossi e Júlio Cesar Ferreira, considerados pioneiros da especialidade na cidade — acumulam, cada um, mais de 30 processos na Justiça.Ao investigar o histórico de Júlio Cesar, a reportagem encontrou cerca de 40 ações contra ele. As acusações se concentram principalmente em supostos erros médicos, especialmente em mamoplastias. Dos 16 processos que já tiveram sentença, ele foi condenado em 7. Em outros 4 casos, o processo foi extinto — por acordo ou desistência do paciente — e 5 foram julgados improcedentes.Já contra Maurino Grossi, a BBC News Brasil localizou cerca de 40 processos. Dos 28 já sentenciados, ele foi condenado em 5. Outros 2 foram considerados improcedentes. Nos 21 restantes, o processo foi extinto, seja por desistência dos pacientes ou por acordo entre as partes.A BBC News Brasil procurou ambos e foi recebida por Maurino Grossi em seu consultório, em dezembro de 2024, como descreveremos ao decorrer do texto. Júlio Cesar Ferreira não aceitou dar entrevista, mas foi contatado por mensagem com questionamentos sobre os casos relatados aqui e enviou uma nota por meio de seu advogado, descrita ao longo deste texto.Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, O cirurgião Maurino Grossi com a paciente Claudineia Dias’Uma máfia que deu certo’Pelas ruas de Ubá, nada indica que a cidade, mais famosa pela venda de móveis de madeira, esteja tão economicamente aquecida pela cirurgia plástica. Mas as redes sociais fizeram com que o engajamento nas redes se convertesse, de fato, em negócios.A fama criada online impulsionou uma rede de novos trabalhos: motoristas especializados no transporte de pacientes, lojas de material hospitalar, casas de cuidado e até uma modalidade financeira voltada especialmente para quem deseja operar.Lucilene Queiroz é a responsável pela Pag Crédito Ubá, que tem atraído clientes com um financiamento programado, pensado especificamente para cirurgias estéticas.Ela recebeu a reportagem em um coworking e contou como as redes sociais têm feito com que ela receba mais de 80 mensagens de interessadas por dia e quais são as opções das clientes.”Funciona basicamente como um consórcio: a cliente escolhe o plano, começa a pagar as parcelas e já sabe quando vai operar — sem lance e sem sorteio”, explica Lucilene.Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, Lucilene Queiroz, responsável pela Pag Crédito UbáSegundo ela, é possível aderir ao programa mesmo com o nome negativado, com valores que variam entre R$ 5 mil e R$ 100 mil e parcelamento fixo que pode chegar a até 120 vezes.”Muitas vêm só pela curiosidade, mas ainda assim o movimento é grande. Nos meses de férias, temos uma média de 40 mulheres operando por mês só pelo plano, fora as que vêm com recurso próprio.”Lucilene relata que esse movimento começou há cerca de um ano e meio, quando as casas de cuidados pós-operatório e fisioterapeutas que oferecem esse serviço começaram a viralizar no Instagram e, principalmente, no TikTok, com posts sobre o quão baratas são as cirurgias na cidade.”Não foram nem os médicos que apareceram primeiro — foram elas que puxaram todo mundo junto, e aí virou esse boom que até hoje impressiona.””Eu brinco que é uma máfia que deu certo, uma máfia ‘do bem’. A gente já consegue girar tudo em torno da cidade — do médico a essas casas que recebem as mulheres no pós-operatório, que é tão importante quanto a cirurgia em si.”A Casa das Irmãs CondéNo Whatsapp, dezenas de grupos com os nomes dos cirurgiões — mas, usualmente, sem a presença deles — compartilham fotos de “antes e depois”, expectativas, indicações de serviços (como as casas de cuidados) e orçamentos.Há também dicas de como levar o dinheiro vivo — no caso de médicos que não aceitam pix ou cartão.Algumas mulheres colocam as notas em fraldas, pochetes, ou avisam o banco antecipadamente para conseguir sacar as quantias altas depois de chegar à cidade.Grupos das casas de cuidados também são usados para divulgar seus serviços, e alguns compartilham arquivos em PDF com informações detalhadas sobre médicos.”A gente não indica médico, tá? Hoje temos vários aqui em Ubá. O que eu faço é orientar: temos um grupo no WhatsApp onde as meninas postam fotos de antes e depois, comentam sobre as cirurgias, e cada uma escolhe com base nessas trocas. Sempre falo que é uma decisão muito pessoal. Para ajudar, até montei um guia com o trabalho de todos os médicos — assim, cada uma pode olhar e dizer: ‘é com esse que eu quero operar'”, diz Ana Paula Condé, uma das donas da casa de cuidados conhecida como Casa das Irmãs Condé.Ela, enfermeira, e sua irmã gêmea, Juliana, que é fisioterapeuta, recebem mulheres de diferentes lugares e, em alguns meses, têm uma fila de espera.Há outros estabelecimentos na cidade que parecem também receber muitas pacientes, como a Casa de Cuidados Shekinah e o Spa de Cuidados Fernanda Varella. As responsáveis pelas casas disseram “não ter interesse” em conversar com a reportagem.Quando questionadas sobre por que a cirurgia em Ubá é tão mais barata, as irmãs Condé dizem que, para quem é da cidade, o preço não é barato, mas simplesmente o valor que se cobra usualmente.”Eu falo pra vocês, gente: fiz minha cirurgia há 13 anos, abdômen e mama, e paguei R$ 3.600. Pra gente, aqui em Ubá, isso é um preço normal. Normal! Aí as meninas comentam: ‘Na minha cidade custa R$ 100 mil!’ Gente, como assim? Cem mil por uma plástica? Pra gente, isso não existe. Não sei se é pela cidade, pela economia local… mas esse é o valor aqui em Ubá”, diz Juliana.Ana Paula conta que a demanda já cruzou o país — e até o oceano.”A gente recebe pessoas do mundo inteiro. Tem gente de Londres, da Guiana, do Suriname — vem bastante gente de lá, muitas vezes com pepitas de ouro. E do Brasil todo: Paraná, Mato Grosso, Bahia, Acre, Belém, Tocantins, Belo Horizonte… Mato Grosso, então, tem vindo demais. É o Brasil inteiro e um pouquinho do mundo.”Apesar das origens diferentes, na “pousada”, a reportagem encontrou algo em comum entre as dezenas de mulheres que se recuperavam das cirurgias e aceitaram conversar sobre suas experiências: a visão da cirurgia plástica como um sonho e como resgate da autoestima.Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, Casa das irmãs Condé recebe mulheres de diferentes lugares e, em alguns meses, tem fila de esperaA reconstrução da autoestimaTalita, 25, natural de Niterói, no Rio de Janeiro, acompanhava o trabalho de uma cirurgiã que atua em Ubá há 4 anos, até que conseguiu ter dinheiro para realizar diferentes procedimentos de uma vez: mamoplastia com aumento, abdominoplastia e lipo com enxerto de glúteo.”Bastante coisa, né? Meu sonho mesmo era só o abdômen, mas já que eu vinha, falei: ‘vou recauchutar tudo e nunca mais entro em centro de cirurgia’. Agora é atividade física e manter uma vida mais saudável.”O total saiu por cerca de R$ 34 mil.Para ela, a vontade de mudar o corpo surgiu depois do nascimento de suas duas filhas.”Depois das gestações, fiquei com uma diástase enorme, o que abalou muito minha autoestima. Claro que foi por um bom motivo — minhas filhas são tudo para mim. Mas queria voltar a me sentir confortável usando um biquíni”, diz.Claudineia Dias tem 33 anos e foi de Rondônia até Minas Gerais para conseguir realizar a cirurgia, um sonho que cultivava há dois anos.”Eu queria muito fazer, mas queria fazer na minha cidade, no meu Estado — só que lá era muito caro, e eu não tinha o dinheiro. Aí engravidei, tive meu bebê, esperei um tempo… agora ele tá com um ano e dois meses. Foi quando conheci a casa das irmãs Condé, com os médicos e tudo mais, e pensei: agora eu consigo.”Para fazer uma abdominoplastia e mamoplastia com o cirurgião Maurino Grossi, ela viajou por mais de um dia, entre avião e ônibus.”Foi cansativo, mas valeu a pena. Nossa, como valeu a pena! Meu Deus! Eu faria tudo de novo. Tem mulheres que dizem: ‘Ah, eu fiz cirurgia plástica, mas nunca mais faria’. Eu não. Eu faria novamente, passaria por todo o processo outra vez, sem pensar duas vezes.”‘O barato sai caro’Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, Gelva Consuelo acusou médico de ter feito lipoaspiração ‘ultra superficial’ em suas costasJá Gelva Consuelo, 56, diz que a cirurgia com o mesmo médico, feita em 2016, não valeu a pena. Ela acusou Maurino Grossi de ter feito uma lipoaspiração “ultra superficial” em suas costas.”Decidi operar em Ubá depois de ouvir muitas propagandas sobre os cirurgiões de lá, que eram maravilhosos, e porque o preço estava mais acessível do que aqui em Belo Horizonte, onde moro. Mas, infelizmente, não deu certo.”O médico ofereceu outra cirurgia, reparadora, e Gelva aceitou — mas continuou insatisfeita após o procedimento, que ocorreu no ano seguinte, em 2017.Os prontuários hospitalares dos procedimentos mostram que o primeiro durou 15 minutos, e o segundo, 25 minutos.”Eu sou esteticista há 20 anos, trabalho muito com drenagem pós-cirúrgica e eu mesma já tinha feito uma lipo de costas antes, então eu sei reconhecer quando uma cirurgia não foi bem feita. Eu percebi que a cânula só passou pela camada superficial.”Gelva decidiu levar o caso à Justiça, e chegou a um acordo com o médico. Ele devolveu o dinheiro que ela investiu na cirurgia.À reportagem, ela mostrou fotos de seu antes e depois como um indicativo de que não houve mudança.”Se eu não tivesse essas fotos e não soubesse do assunto, eu seria só mais um caso perdido, como milhares de mulheres que esperam que a cirurgia seja a solução para tudo. E sabe o que ele diz para elas? ‘Foi o melhor que eu pude fazer por você, porque você estava muito ruim’.”A reportagem questionou Maurino Grossi, cirurgião plástico especialista pelo Hospital Barata Ribeiro, no Rio de Janeiro, sobre o caso de Gelva. Ele disse que não se lembra especificamente da paciente, e que é impossível que uma lipo de costas tenha durado apenas 15 minutos.”Não, isso não existe. Olha, deixa eu te falar — eu não sei exatamente do que estão falando, mas é o seguinte: às vezes, a paciente volta para fazer algum retoque, corrigir uma irregularidade, entende? Por exemplo, se for uma correção de lipo e a queixa for pequena, aí o tempo de cirurgia pode variar. Mas uma lipo nas costas em 15 minutos? Isso não existe.”Quando questionado sobre os mais de 30 processos em seu nome, Grossi respondeu:”Eu tenho 20 anos de profissão, devo ter feito quase 10 mil cirurgias. Você acha essa estatística tão alta assim? Hoje em dia, é muito fácil para uma paciente dizer ‘meu médico errou’ e levar o caso para a Justiça. Mas quem decide isso não é o paciente, nem o advogado — é o perito. É ele, um médico indicado, que vai avaliar se houve ou não erro médico. Só ele.”Nos processos, também é possível ver que Grossi optou por acordo, como fez com Gelva, com várias das pacientes.”Hoje, não faço mais. Porque quanto mais a gente faz acordo, mais eles acham que a culpa é do médico, que é fácil tirar algum dinheiro. Já cheguei a receber muitas ameaças de paciente, sabe? Agora eu não faço mais. Se quiser levar pra Justiça, pode levar. Porque senão vira chantagem — casos que seriam simples de resolver viram uma tentativa de conseguir o dinheiro de volta à força.”Além de Gelva, a reportagem conversou com mais mulheres que ficaram insatisfeitas com o resultado das cirurgias performadas por Grossi. A maioria delas não quis levar o caso à Justiça. Muitas relatam que acreditam que o médico realizava várias cirurgias no mesmo dia, com duração curta, mas não apresentaram evidências.A isso, Grossi responde que hoje faz uma ou duas cirurgias no dia — e que, no passado, fazia, no máximo, quatro.”Quanto mais cirurgias você faz, mais cansativo é — e maior a chance de complicações. Então, foi uma escolha que eu fiz. Já são 20 anos operando, e agora eu quero menos complicações. Quero viver uma vida mais tranquila.”A reportagem também encontrou casos mais graves de complicações por cirurgias realizadas na cidade.Rosimar Cordeiro Messias, 53, foi atraída pelos preços baixos de Ubá antes da fama chegar às redes sociais.Em 2015, circulava por Crucilândia, sua cidade natal, a cerca de cinco horas de Ubá, a notícia de cirurgias plásticas acessíveis — e com resultados considerados excelentes.”Quando eu fiz 40 anos, já tinha passado por três gestações, e minha barriga ficou bem grande. Era um sonho meu ter uma barriga bonita. Com o tempo, fui juntando dinheiro pra fazer essa cirurgia lá em Ubá, com o doutor Júlio Cesar. Era o meu sonho, porque eu ia pra praia em janeiro, e operei no dia 2 de novembro — achei que até lá já estaria tudo bem. Achei que a cirurgia ia ser maravilhosa, só que não foi. Era um sonho meu ficar com o corpão bonito, sabe? Mas nada deu certo. Fiz também a retirada do excesso dos seios, e também deu errado, ficou torto.”Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, Rosimar Cordeiro, fotografada em sua casa, em Crucilândia (MG), a cerca de cinco horas de carro de UbáRosi, como é conhecida, sabia de duas vizinhas que já tinham passado pelo procedimento e, animada com os relatos, decidiu embarcar na jornada com outras duas amigas.”Uma dessas vizinhas teve um problema e ficou sem jeito de me contar. Era uma coisa simples, uma inflamação, mas ela ligava lá e ninguém dava atenção. Meses depois, quando ela viu o que aconteceu comigo… Teve um dia que ela me ligou chorando, dizendo que ficou com muito remorso por não ter me contado.”O que aconteceu com Rosi começou também, aparentemente, como uma inflamação simples. Mas se tornou um quadro sério que a deixou de cama durante sete meses.As duas cirurgias escolhidas por ela, mamoplastia (para tirar excesso dos seios) e abdominoplastia (para diminuir a gordura e excesso de flacidez na região), custaram um total de R$ 6.400.”Eu achei muito barato, mas só não sabia que esse barato ia ficar muito, muito caro no final.””Depois da cirurgia, senti dor a noite inteira. Quando foi no outro dia, na hora de tirar o curativo, minha barriga já estava vermelha. A enfermeira me deu alta e disse como eu precisava limpar, se não teria uma infecção. Eu respondi: ‘Mas eu não tô bem, como é que eu vou embora? Vou viajar assim?’. E ela disse: ‘Ué, você quer morar aqui?’. Ela era sempre grosseira. Eu fiquei sem reação.”Dias após a abdominoplastia, a região operada começou a se abrir. Em pouco tempo, a incisão se transformou numa ferida profunda, com secreção amarelada e sinais claros de infecção. Rosi relata que sentia dor extrema, não conseguia trabalhar ou se alimentar.Por e-mail, uma de suas filhas enviava imagens e pedia orientações ao consultório do cirurgião. As respostas, assinadas por uma secretária do médico, mostram indicação de limpar o local com gaze e soro, e recomendação de remédios para dor.Procurado pela BBC News Brasil, o advogado do médico Júlio Cesar Ferreira argumentou que pontos se abrem em razão de a paciente não obedecer ao repouso absoluto orientado no momento da alta ou se a paciente não toma os devidos cuidados após voltar para casa.Ele disse ainda que, para que ocorra o acompanhamento pós-cirúrgico, é necessário que a paciente retorne ao consultório nas datas pré-agendadas, mas que algumas pacientes que não moram na cidade se recusam a retornar.Rosimar diz que voltou quatro vezes para consultas pós-operatórias e afirma que seguiu os cuidados indicados pela equipe do médico no pós-operatório.Ao pesquisar o histórico do doutor Júlio Cesar, a reportagem descobriu que ele é alvo de dezenas de processos na Justiça.Neles, ele é acusado principalmente de erros médicos, em especial em mamoplastias. Muitos ainda estão em andamento, mas dos 16 processos em que a sentença já foi proferida, ele foi condenado em sete. Em outros quatro casos, o processo foi extinto ou porque houve um acordo, ou porque os pacientes desistiram. E cinco processos foram considerados improcedentes, ou seja, não houve condenação.A BBC News Brasil também questionou o médico sobre esses processos.Na mesma nota, o advogado disse que “alguns já tiveram proferida a sentença de improcedência”.Crédito, João da Mata/BBC News BrasilLegenda da foto, Rosimar Cordeiro mostra sua cicatriz pós-cirúrgica”Foi só piorando. A gente mandava foto pro doutor todo dia. Quando comecei a chorar de tanta dor, a Carla tentou de novo o contato com o consultório, mas eles só diziam que era normal.”Rosi conta que chegou a voltar a Ubá duas vezes para ser avaliada pessoalmente pelo médico, encarando novamente viagens de 10 horas de carro, ida e volta. Em uma das visitas, relata ter sido atendida apenas pela enfermeira, que chegou a cortar uma parte da gordura que saía da ferida, sem que o cirurgião a visse.Durante esse período, a recuperação foi marcada por dor intensa, secreção com mau cheiro e tentativas de aliviar o sofrimento com medicamentos fortes e chás caseiros. “Quando fui ao clínico geral, ele olhou e disse: ‘Você devia processar esse médico. Não tem condição. Ele deveria ter te internado’. Eu viajei daquele jeito, com dor, e ele ainda mandou eu ir embora. Eu não aguentava nem fazer o curativo. Quando colocavam a gaze, ela entrava no buraco e a dor era insuportável. Tiveram que usar compressa aberta. Se colocasse gaze, ela ficava lá dentro.”Após meses de tratamento, Rosi conseguiu fechar a ferida com sessões de laser, que ajudam a regenerar a pele e a estimular a cicatrização. Ela conta que precisou gastar grande parte de suas economias para arcar com os custos do procedimento e dos cuidados posteriores.Quando estava melhor, Rosi procurou o médico Júlio Cesar pessoalmente. “Eu disse que queria o meu dinheiro de volta para poder consertar essa cicatriz. Aí ele falou que ele mesmo poderia fazer isso, mas eu jamais confiaria nele de novo”, diz.Na saída do consultório, desabafou com outras mulheres que aguardavam atendimento.”O lugar estava sempre lotado. Eu estava nervosa e gritei: ‘Vocês vão ter coragem de fazer cirurgia com esse médico? Ele não dá atenção. Se passar mal, se não der certo, ele não tá nem aí.'”Rosi chegou a considerar uma ação judicial. “Eu falei que ia processar. Ele me desafiou a tentar, dizendo que tinha mais de cinco advogados. Aí eu desisti, fiquei desanimada. Mas ainda penso em tanta gente que continua fazendo cirurgia com ele…”Em nota, o advogado de Júlio Cesar Ferreira afirma que o médico jamais disse que Rosimar não poderia entrar na Justiça porque ele teria “uma variedade de advogados à sua disposição”.A cicatriz profunda na barriga não foi a única marca deixada pela experiência. Cerca de um mês após a cirurgia, Rosi parou de se alimentar e precisou de atendimento médico. Ela relata que desenvolveu depressão em decorrência do trauma.”Tinha um mês, mais ou menos, que eu realmente não comia. Fui ao posto de saúde e tive que ficar no soro. Achei que ia morrer, porque já não tinha força física ou mental nem pra sair da ambulância e entrar no posto. Estava muito fraca, sabe? Foi uma fase em que eu pensei que não ia dar conta. Não mesmo.”A reportagem também conversou com mulheres que ficaram satisfeitas com o resultado de cirurgias feitas pelo doutor Júlio Cesar. Uma delas é Daniela Vieira, de 45 anos, que foi de Primavera do Leste, no Mato Grosso, até Ubá, para ser operada pelo médico.”Eu fiquei muito feliz com o resultado, foi exatamente o que eu esperava. Não tive nenhum problema na cirurgia, graças a Deus. Em 2023, eu fiz abdominoplastia, redução de mama com prótese e lipoaspiração — tudo com o doutor Júlio, que foi o médico que eu escolhi pra mim. A experiência foi excelente, fiquei realmente muito satisfeita.”O que considerar antes de optar por uma cirurgia plásticaTanto Rosi como Gelva recomendam que, antes de decidir pela cirurgia em Ubá ou em qualquer outra cidade, a pessoa interessada faça muita pesquisa e não se deixe atrair tanto pelo preço.”É um barato que pode sair caro”, diz Gelva.O médico Marcelo Sampaio, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, indica que há fatores importantes a se considerar na hora de escolher um procedimento cirúrgico.”O primeiro passo para uma cirurgia segura é buscar indicações confiáveis. Quem te indicou? Conhece alguém que já operou com esse médico? Como foi a experiência no pré e no pós-operatório? Depois, é importante confirmar se o profissional é habilitado para o procedimento. Dá pra checar no site do CRM ou da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.”Na consulta, diz Sampaio, o médico precisa te explicar os resultados possíveis e também os riscos.”Se ele só mostra o lado bom, desconfie. Por fim, veja onde ele opera. É um hospital autorizado, com estrutura adequada e registrado na Anvisa? Tudo isso faz diferença na sua segurança.”Consultado pela BBC News Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que não há nenhum processo administrativo em curso contra os dois médicos citados na reportagem.O CFM alerta que, por vezes, valores atrativos podem ocorrer às custas da supressão de condições mínimas de segurança para o paciente e precariedade da estrutura dos estabelecimentos assistenciais onde os procedimentos são realizados. E diz que tais práticas colocam em risco a vida, a saúde e a segurança das pessoas.



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