Trump: sob Bolsonaro e Lula, diesel da Rússia vira negócio bilionário e coloca o Brasil na mira do governo americano



Legenda da foto, A Rússia de Vladimir Putin se tornou a principal exportadora de óleo diesel para o mercado brasileiro. Compra de combustíveis do país entrou na mira dos Estados Unidos. Empresários brasileiros temem que Brasil possa ser alvo de sançõesArticle InformationAuthor, Leandro PrazeresRole, Da BBC News Brasil em Brasília7 agosto 2025, 14:02 -03Atualizado Há 26 minutosDe uma participação ínfima nas compras brasileiras em 2021, a importação do diesel russo é agora um negócio bilionário, envolvendo grandes empresas brasileiras com sócios no exterior e ações negociadas em bolsas internacionais. Esses grandes importadores investiram o equivalente a US$ 13 bilhões na compra do combustível desde 2022, ano que Putin invadiu a Ucrania, em um movimento que agora preocupa integrantes do governo e empresários do setor diante da imprevisibilidade da Casa Branca. O argumento é de que as importações de combustíveis russos feitas por países como Índia, mas também China e Brasil, financiam a máquina de guerra de Vladimir Putin.Entre integrantes do governo e do empresariado brasileiro, o temor é de que sanções à compra brasileira de combustível russo cause um desequilíbrio no mercado nacional, aumente os custos dos combustíveis ao consumidor final brasileiro e pressione a inflação no país.O caminho para o diesel russo no Brasil foi aberto durante o governo Bolsonaro e se aprofundou durante o governo Lula.O Brasil nunca aderiu às sanções impostas por Estados Unidos e União Europeia contra os combustíveis russos e, após o início da guerra na Ucrânia, o diesel se transformou no principal produto russo importado pelo Brasil, ultrapassando os fertilizantes.Embora não haja dados oficiais russos sobre a produção e exportação de combustíveis, o Centro para Pesquisas em Energia e Ar Limpo, uma organização não-governamental sediada em Londres, estima que o Brasil seria o quinto maior comprador de derivados de petróleo da Rússia.Procurado, o governo brasileiro não respondeu aos questionamentos feitos pela BBC News Brasil.’O Brasil precisa estar preparado’Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, ‘De uma forma irônica, o diesel russo foi importante tanto para o governo Bolsonaro, que estava numa disputa eleitoral, quanto é para o governo Lula, que está prestes a uma eleição’, observa Igor CondeA possibilidade de o Brasil ser alvo de tarifas adicionais por conta do seu papel como comprador de combustíveis russos foi mencionada há duas semanas pelo secretário-geral da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte.”Se você vive agora em Pequim, Nova Déli, ou se você é o presidente do Brasil, você deve querer dar uma olhada para isso porque isto pode atingir você de forma muito dura”, disse Rutte.O alerta soou ainda mais forte em Brasília nos últimos dias, especialmente após a Casa Branca anunciar tarifas adicionais sobre produtos da Índia, que é, atualmente, o segundo maior comprador de petróleo da Rússia.Na avaliação do líder para Europa e Rússia do Centro para Pesquisas em Energia e Ar Limpo (Crea, na sigla em inglês), Isaac Levi, o Brasil pode, sim, ser o próximo alvo de sanções norte-americanas por seu envolvimento com o mercado de combustíveis russo.”Acredito que os próximos países a receberem tarifas por compra de combustíveis fósseis da Rússia são aqueles que ainda não finalizaram acordos comerciais com os Estados Unidos”, diz Levi.”Aqueles países que ainda não fecharam os acordos com Trump são, na minha opinião, os que correm mais riscos e isso pode incluir países como o Brasil e a Turquia.”Para Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green da Universidade Internacional da Flórida, o cenário é imprevisível. “Trump tem uma janela de atenção limitada e muda de um assunto para outro com facilidade. O fato de ter imposto tarifas sobre a Índia por conta do petróleo russo não, necessariamente, significa que ele fará isso com o Brasil”, diz Pereira à BBC News Brasil. “Mas o Brasil precisa estar preparado para isso e precisa encontrar formas de mitigar esse dano.”Falando diretamente da Flórida, uma das principais bases eleitorais de Trump, Pereira afirma que as tarifas a países que comercializam petróleo com a Rússia são uma decisão arbitrária dos Estados Unidos que o país não aceitaria que fosse adotada contra ele. Pereira duvida que a medida seria capaz de pressionar a Rússia a encerrar a guerra. “Acho que a Rússia permanecerá resiliente. Além disso, sou cético quanto sobre se esse tipo de medida é parte de uma estratégia focada na guerra. Acho mais provável que seja motivada por interesses econômicos dos Estados Unidos de curto prazo.”Um diplomata brasileiro com quem a BBC News Brasil conversou em caráter reservado reconheceu que, hoje, o Brasil depende do diesel russo e que esse é um tema de preocupação. Ponderou, no entanto, que, atualmente, o foco dos negociadores brasileiros está em diminuir os efeitos das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros agora em vigor.O mesmo diplomata citou que um dos principais temores do governo brasileiro é um projeto de lei que tramita no Congresso americano que prevê tarifas de até 500% para países compradores de petróleo e derivados da Rússia.O projeto tem apoio tanto de republicanos quanto de democratas e poderia ser aprovado a partir de setembro.’Casamento perfeito’Apesar de ser autossuficiente na produção de petróleo, o Brasil não tem, segundo dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), capacidade de refino para atender à sua própria demanda. Em relação ao diesel, segundo a entidade, o Brasil teria capacidade de produzir cerca de 70% de tudo o que o país consome. O restante, portanto, precisa vir de outros países. Antes da guerra na Ucrânia, o principal fornecedor de diesel para o Brasil eram os Estados Unidos.Mas para entender como o Brasil se transformou num dos maiores compradores de combustíveis russos e entrou na mira dos Estados Unidos e da Otan é preciso voltar um pouco no tempo.Em retaliação à invasão russa, a União Europeia, o Reino Unido, Canadá e os Estados Unidos impuseram centenas de sanções ao petróleo e derivados russos. A ideia por trás dessas medidas era diminuir as fontes de renda do governo de Vladimir Putin e, assim, pressioná-lo a encerrar a guerra.Entre as principais sanções estava a proibição parcial ou total sobre a compra de petróleo russo nesses países.O Brasil, no entanto, nunca aderiu às sanções comerciais e financeiras impostas à Rússia. Além de não fazer parte da tradição diplomática do país, a Rússia era vista, no início da invasão, como um parceiro importante para o país por ser o principal fornecedor de fertilizantes para o agronegócio brasileiro, até então, o principal produto russo importado pelo Brasil.O efeito colateral das sanções ao combustível russo foi uma alta abrupta do valor do petróleo no mercado internacional, especialmente dos combustíveis produzidos pelos Estados Unidos. Até aquele momento, o país era responsável por 49% do óleo diesel importado pelo Brasil, de acordo com dados do MDIC.Mas os preços do petróleo em alta passaram a pressionar países ao redor do mundo, inclusive o Brasil. Por aqui, isso aconteceu em plena corrida pré-eleitoral, quando Bolsonaro tentava a reeleição e aparecia atrás de Lula nas pesquisas de intenção de voto.Pressionado pela alta, Bolsonaro adotou uma série de medidas para tentar baratear o preço dos combustíveis nas bombas brasileiras, entre elas, zerou impostos federais e reduziu o valor que Estados poderiam cobrar sobre a venda dos produtos. Apesar disso, o preço continou a subir.Na noite do 27 de junho de 2022, a quatro meses das eleições, Bolsonaro acenou a um grupo de apoiadores na frente do Palácio da Alvorada com o que parecia ser uma boa notícia.”Conversei com o presidente Putin, da Rússia…temos a segurança alimentar e a segurança energética e há chance de comprarmos diesel de lá. Fica, com toda certeza, um preço mais em conta”, disse Bolsonaro.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Bolsonaro e Putin durante encontro em fevereiro de 2022, em MoscouA conversa com Putin não foi a única medida adotada por Bolsonaro para trazer combustível russo para o Brasil. O presidente-executivo da Abicom, Sérgio Araújo, conta à BBC News Brasil que funcionários do governo incentivaram as empresas brasileiras a irem atrás dos combustíveis russos.”Chegamos a receber contato de membros de executivos do governo Bolsonaro no sentido de estimular para que a gente fizesse os nossos associados fizessem negociações com fornecedores da Rússia. Houve estímulo por parte do governo do Bolsonaro para que a gente desenvolvesse negociações com fornecedores de diesel russo”, diz Araújo.Para Araújo, a questão sobre se comprar diesel russo financia ou não a guerra na Ucrânia deve ser vista por um ponto de vista diferente.”É uma situação muito crítica. Você pode perguntar se é ético comprar produtos da Rússia e, com isso, financiar os ataques à Ucrânia. Mas você pode perguntar também se é ético não comprar produtos da Rússia e deixar faltar produto no Brasil, deixar o país abastecido e a gente ter problema na nossa comunidade. As camadas menos favorecidas são as que vão sentir primeiro”, afirma.Segundo Araújo, para além do estímulo, os empresários do setor passaram a ver o diesel russo como uma oportunidade de negócio em meio à alta dos preços dos combustíveis. Empresas menores, conhecidas no mercado como “minors” foram as primeiras as importar diesel russo. As gigantes do setor, conhecidas como “majors”, vieram depois.Em 4 de outubro de 2022, dois dias depois de o primeiro turno das eleições terminar com Bolsonaro atrás de Lula, o então presidente foi às redes sociais fez um novo anúncio, agora, em suas redes sociais.”Cerca de 35 milhões de litros de diesel importado da Rússia chegaram ao porto de Santos. Outras operações de importação estão em progresso. Novas cargas são esperadas para outubro, aumentando a competição e pressionando para a queda dos preços dos combustíveis”, afirmou Bolsonaro em uma postagem no Twitter (hoje, a rede social X).Bolsonaro perdeu as eleições, mas as portas do Brasil para o combustível russo haviam sido abertas. E,durante o governo Lula, esse fluxo se aprofundou. Dados do MDIC apontam que, entre 2021 e 2022, as importações de diesel russo saíram de US$ 16,9 milhões para US$ 95 milhões, um salto de 462%. Nos anos seguintes, durante os primeiros anos do governo Lula, que também tem proximidade com Putin, esse comércio aumentou ainda mais, graças à entrada das majors no negócio.As importações saíram de US$ 95 milhões para US$ 4,5 bilhões, um aumento de 4.664%. Esse volume chegou a US$ 5,4 bilhões em 2024 e, neste ano até julho, já soma US$ 3 bilhões. No total, apenas em diesel, as empresas brasileiras enviaram US$ 13 bilhões para a Rússia.Dados do MDIC apontam que, em 2021, a Rússia era responsável por 0,2% das importações brasileiras de diesel. Os dados acumulados entre janeiro e julho deste ano mostram que a Rússia foi responsável por 58,9% do diesel importado para o Brasil.Do ponto de vista político, as relações entre Lula e Putin ganharam ainda mais projeção a partir do momento em que o Brasil aumentou seu engajamento no Brics, grupo de 11 países emergentes fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Lula, assim como Bolsonaro, evitou condenar diretamente o presidente Putin pela invasão à Ucrânia. O presidente chegou a dar declarações criticando a postura do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e criticou a postura adotada pelos Estados Unidos em relação ao conflito. “É preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz pra que a gente possa convencer o Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo mundo e a guerra só tá interessando, por enquanto, aos dois”, disse Lula em abril de 2023. Neste ano, a proximidade de Lula com Putin gerou críticas depois que ele fez uma visita ao presidente russo durante as comemorações do Dia da Vitória, em maio, em que a Rússia celebra a vitória na Segunda Guerra Mundial. Durante a visita, Lula deixou clara a importância do óleo diesel russo para o Brasil. “Nós queremos incrementar essa discussão econômica com a Rússia. A Rússia é um parceiro importante para nós na questão de óleo, na questão de gás e na questão de pequenos reatores nucleares, que é uma novidade extraordinária para que a gente possa ter energia garantida para todo o sempre”, disse Lula, em Moscou, após se encontrar com Putin. Quem são as empresas campeãs de diesel russo no Brasil?Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Segundo a Abicom, o Brasil teria capacidade de produzir apenas 70% do diesel que o país consomeDados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) compilados pela BBC News Brasil mostram que as cinco maiores importadoras de combustível russo entre janeiro e junho deste ano foram:Vibra Energia e Vibra Trading;Refinaria de Manguinhos (Refit);Oil Trading Importadora e Exportadora (empresa vinculada à Ipiranga e ao grupo Ultra);Blueway Trading Importação e Exportação (vinculada à gigante Raízen);Nimofast.Juntas, elas respondem por 58% de todo o diesel que foi importado da Rússia entre combustível de origem russa entre janeiro e junho deste ano. Questionada pela reportagem via Lei de Acesso a Informação (LAI), a ANP disse não ter os registros por empresa das importações de anos anteriores.Uma das preocupações externadas nos registros das reuniões de executivos da Vibra entre 2022 e 2023 era o risco, para a empresa, de passar a importar diesel russo e acabar esbarrando em algumas das sanções impostas pelos Estados Unidos e pela Europa.Apesar de o Brasil não ter aderido a nenhuma sanção ao combustível russo, a empresa tem ações negociadas nas bolsas de São Paulo e títulos na bolsa de Nova York. Além disso, a empresa tem entre seus acionistas fundos de investimentos norte-americanos como o BlackRock, que detém uma participação de 5,22%.Outra empresa com ações negociadas em bolsa e sócios estrangeiros é a Raízen, do mesmo grupo da Blueway Trading. De acordo com a companhia, a Shell, com sede no Reino Unido, tem 44% da sociedade da Raízen. O grupo Ultra, da Oil Trading, também tem como acionista o fundo BlackRock, que detém uma participação de 5%. Além disso, o grupo tem como sócio o Canada Pension Plan Investment Board, um fundo de pensão canadense.A BBC News Brasil questionou as cinco maiores importadoras de diesel russo no Brasil sobre suas operações, se consideravam que ajudavam a financiar a guerra na Ucrânia e que medidas pretendem tomar caso haja sanções às compras brasileiras.Vibra e Raízen disseram que não comentariam o assunto. A Nimofast não respondeu.A Ipiranga, em nota, disse que não “divulga estratégias comerciais e de suprimentos” e que, “na sua operação de trading a empresa não realiza transações que infrinjam sanções” e que “por meio de processos de diligência, assegura a integridade das suas operações”.A Refit, também em nota, afirmou que “acompanha todos os fluxos de petróleo e derivados disponíveis no mundo” e que para isso “há um detalhado e permanente monitoramento de todas as regras e legislações que possam impactar as relações comerciais da companhia”.A BBC News Brasil também questionou o BlackRock, o Canadian Pension Plan Investment Board e a Shell.O BlackRock disse que não faz comentários sobre empresas de forma individual.A Shell afirmou que não comentaria o assunto por não atuar diretamente na operação da Raízen. O Canadian Pension Investment Board disse que não comentaria o assunto. Diesel russo e as eleições no BrasilSérgio Araújo, da Abicom, diz à BBC News Brasil que a entidade não foi procurada por oficiais do governo brasileiro para discutir o assunto, mas que empresários do setor estão preocupados.Ele afirma que uma eventual proibição norte-americana para a compra de diesel russo pode gerar uma ruptura temporária no fornecimento de diesel para o Brasil, com impactos sobre a economia brasileira.Para Igor Conde, diretor da agência marítima Transatlância, que atua no mercado de importação e exportação, diz que uma eventual ruptura no mercado de diesel russo teria impactos imediatos ao Brasil.”O primeiro efeito é que o Brasil teria que ir atrás de outras fontes que, provavelmente, seriam mais caras. Isso aumentaria a pressão pelos preços dos combustíveis”, diz Conde à BBC News Brasil.”De uma forma irônica, o diesel russo foi importante tanto para o governo Bolsonaro, que estava numa disputa eleitoral, quanto é para o governo Lula, que está prestes a disputar uma eleição.”As pesquisas mais recentes mostram Lula à frente de todos seus principais adversários até o momento. Mas a margem é particularmente apertada quando a disputa é contra Bolsonaro, que está inelegível, e o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é cotado como possível candidato do bolsonarismo.No entanto, as sondagens mostram que Lula abriu vantagem sobre seus rivais, um efeito atribuído por analistas justamente por travar um embate com Trump e suas tarifas.



FONTE