Início GERAL R$ 2,2 bilhões em dívidas: Justiça afasta sócios do Grupo Safras

R$ 2,2 bilhões em dívidas: Justiça afasta sócios do Grupo Safras



O intrincado processo de recuperação judicial do Grupo Safras, com dívidas que somam R$ 2,2 bilhões, ganhou um novo e dramático capítulo. A Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) determinou o afastamento imediato de todos os administradores e sócios controladores do Grupo Safras, bem como do Núcleo Randon, controlado pela família do fundador Dilceu Rossato, e de quaisquer produtores com função de gestão. A decisão surge em meio a uma complexa teia de acusações mútuas de fraude entre sócios controladores e minoritários, que já recorreram da nova deliberação judicial.
Fundado em 2010 por Dilceu Rossato, ex-prefeito de Sorriso (MT), e o empresário Pedro de Moraes Filho, o Grupo Safras consolidou-se no mercado de processamento, armazenagem e comercialização de grãos, além da produção de etanol de milho, chegando a faturar quase R$ 7 bilhões anuais. No entanto, a partir de 2023, uma combinação de fatores – queda nos preços da soja, quebra de safra, dificuldade de acesso a crédito e o aumento da dívida decorrente da aquisição da Copagri – levou a empresa a enfrentar severas dificuldades financeiras.
Em abril de 2025, o Grupo Safras ingressou com pedido de recuperação judicial na 4ª Vara Cível de Sinop (MT). Contudo, já em maio, o processo foi suspenso pelo TJMT devido a suspeitas de irregularidades. Os sócios-fundadores recorreram para tentar retomar o processo, mas o pedido ainda aguarda apreciação.
Acusações de blindagem patrimonial e o enigma do divórcio
Uma das principais alegações dos credores é a de que os fundadores teriam transferido patrimônio do grupo de forma fraudulenta. Entre os maiores credores estão o Bravano FIDC (com R$ 284,1 milhões) e a Flow Gestora de Crédito (com R$ 98,8 milhões).
No âmbito do Grupo Safras, desenvolveram-se dois núcleos: o “Safras”, liderado por Pedro de Moraes Filho, e o “Rossato”, encabeçado por Dilceu Rossato e sua família. Em 2024, o divórcio de Dilceu Rossato e Cátia Randon deu origem ao “Núcleo Randon”, formado por Cátia e seus filhos. Na ação judicial, Cátia alega que o Núcleo Randon possui uma trajetória desvinculada do passivo do Grupo Safras, que se concentrou nas empresas do Núcleo Safras.
Entretanto, documentos apresentados à justiça por credores indicam que o divórcio poderia ter sido uma manobra para blindar o patrimônio da família. Declarações de Imposto de Renda do ano-base 2024 mostram Cátia e Dilceu declarando a exploração conjunta das mesmas fazendas, compartilhando despesas e receitas. Menos de dois meses após o divórcio, Cátia e a filha Caroline, por meio da RD Rossato Participações, arcaram com dívidas da Safras Armazéns Gerais, sugerindo uma continuidade da relação com o Grupo Safras. Credores também acusam Rossato, Cátia e os filhos de ocultarem patrimônio na empresa Agro Rossato Ltda.
Curiosamente, à época do divórcio, Cátia e Rossato firmaram um acordo de opção de venda de participações no Grupo em favor dos fundos Axioma e Alcateia (da gestora Fidd Group) e da Flow Gestora de Crédito. Um detalhe crucial é que esses fundos detêm 66,68% das cotas do Bravano FIDC, um dos maiores credores do Safras. Além disso, os antigos controladores do grupo, Pedro de Moraes Filho e Dilceu Rossato, declararam à Receita Federal participações de R$ 25 milhões e R$ 25,13 milhões, respectivamente, no Bravano FIDC, sem informar a origem dos recursos.
“Tomada Hostil” e novas manobras jurídicas
Após a suspensão judicial da recuperação judicial, o Bravano ajuizou uma execução extraconcursal contra o Grupo Safras, no valor de R$ 299,1 milhões, e determinou a liquidação antecipada do FIDC, transferindo os créditos e as garantias fiduciárias para os cotistas – incluindo Rossato e Moraes Filho.
Na decisão mais recente, a desembargadora responsável determinou o envio de um ofício à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendendo a liquidação antecipada do Bravano FIDC e impedindo a transferência de ativos para terceiros. A magistrada também revogou uma decisão anterior que autorizava a recuperação judicial do Grupo Randon.
Esta reviravolta ocorreu menos de dois meses após o fundo Agri Brazil Special Situations, constituído pela AM Agro e gerido pela Yards Asset Gestão de Recursos, exercer a opção de compra de 60% do capital do Grupo Safras e solicitar a desistência da recuperação judicial do conglomerado. Axioma, Alcateia e Flow exerceram a opção de compra do controle do Safras e, em seguida, repassaram os 60% do grupo para o Agri Brazil, tornando Rossato e Moraes sócios minoritários.
Rossato e Moraes, por sua vez, protocolaram uma medida cautelar na Justiça de São Paulo contra os fundos Agri Brazil, Axioma e Alcateia, e suas gestoras. Eles acusam os novos controladores de promoverem uma “tomada hostil do poder”, com descumprimento de contratos e prática de fraude à recuperação judicial do grupo. Os fundadores alegam que o contrato de opção de compra previa um pagamento de R$ 100 mil pelos 60% do Grupo Safras, com a contrapartida de um investimento de R$ 400 milhões no grupo, que nunca teria ocorrido. Também afirmam que a transferência de controle para o Agri Brazil aconteceu sem o conhecimento dos sócios.
Diante das irregularidades, os fundadores pediram a suspensão da troca de controle acionário, mas o pedido foi negado. Em seguida, entraram com agravo de instrumento na Justiça de Mato Grosso, alegando que foram afastados do controle do Safras por um “artifício dos fundos investidores” e que estão empenhados em reverter a manobra. O advogado Felipe Iglesias, que representa Moraes e Rossato, aponta indícios de que os fundos teriam incluído cláusulas em um contrato aditivo para fazer parecer que a transferência do controle acionário ocorreu antes do ajuizamento da recuperação judicial.
Os fundadores do Grupo Safras pedem à desembargadora a escolha de um interventor para o grupo e a suspensão da execução judicial das dívidas até que se tenha uma avaliação independente e confiável sobre a viabilidade econômica do grupo. Requerem ainda a anulação da transferência do controle do grupo ao fundo Agri Brazil.
Em nota ao Valor Econômico, o Fundo Agri Brazil afirmou que o afastamento determinado pela Justiça de Mato Grosso atinge “exclusivamente os antigos administradores do Grupo Safras” — Rossato e Moraes — “e não a atual gestão, conduzida pelo fundo Agri Brazil”. O fundo argumentou que o TJMT não tinha conhecimento de que o Agri Brazil já estava à frente do Grupo Safras e acrescentou que “a Justiça acolheu pedido da nova administração (…) para que os fundadores exibam documentos de períodos anteriores, medida que trará transparência e facilitará as negociações com credores, real entendimento do passivo da empresa para a retomada da empresa”. O fundo reiterou que segue as determinações judiciais e mantém o compromisso com a governança e a reestruturação do grupo.
O caso do Grupo Safras continua a ser um emaranhado complexo de disputas jurídicas e acusações que prometem novos desdobramentos nos tribunais.
*Com informações do Globo Rural



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