Por João Carlos Vicente Ferreira
O futuro parecia largo e ele lecionou em dois colégios, vivendo entre o ensino e o exercício do direito, preparando-se, talvez sem saber, para os palcos maiores da República.
Em 1947, candidatou-se a vereador pelo PDC em São Paulo, sem sucesso. Mas o destino, cheio de ironias, lhe reservou a entrada como suplente em 1948, após a cassação dos mandatos comunistas. Foi ali que começou a se projetar, ali, nos debates acalorados da Câmara Municipal, começou a se destacar. Não falava como os demais: suas frases eram afiadas, sua postura, rígida, sua presença, magnética. O povo, sempre atento ao diferente, começou a reparar. O menino do interior, magro e de fala áspera, surgia como promessa. A cidade grande, que parecia imensa e indiferente, começou a escutar aquela figura que não se dobrava ao jogo fácil dos conchavos.
Em 1950, já era deputado estadual. Percorria o interior de São Paulo como peregrino político, pregando a moralização do serviço público. Não era apenas discurso, era encenação, era teatro da ética. Ele ouvia o povo, pedia sugestões, transformava queixas em projetos. O carisma crescia, o mito nascia.
Aos 36 anos, em 1953, venceu a eleição para prefeito de São Paulo. A cidade não elegia prefeito havia mais de duas décadas, e a vitória de Jânio soou como um terremoto. Ele assumiu com a mesma energia de quem arruma a própria casa, demitiu centenas de funcionários, cortou privilégios, iniciou sua cruzada moralizadora. Muitos odiaram, outros aplaudiram, mas ninguém ficou indiferente. Era como se o menino de Campo Grande tivesse levado para a maior metrópole do país a disciplina do interior. A ideia de que governar era limpar, varrer, organizar. Não à toa, a vassoura tornou-se seu símbolo, um objeto simples, doméstico, mas que, em suas mãos, virou bandeira política. A vassoura não era apenas utensílio, era metáfora, era promessa de purificação.
Passou a ser mais observado. Foi agraciado com a Ordem Militar de Cristo, de Portugal, em 27 de janeiro de 1952, na qualidade de Grande-Oficial, um feito e tanto à época.
Do gabinete da prefeitura, Jânio já mirava horizontes maiores. Desincompatibilizou-se em 1954, candidatou-se a governador de São Paulo e venceu, aumentando sua política de austeridade, recuperando finanças e mantendo postura independente frente ao governo federal. No Palácio dos Bandeirantes, ampliou sua cruzada e surfou no crescimento industrial do estado, mas nunca deixou de cultivar sua imagem de político independente, imprevisível, quase messiânico.
Percorreu alianças e oposições, sempre como ator principal de seu próprio roteiro. A política nacional já o observava, o homem de Curitiba e São Paulo, nascido em Campo Grande, estava prestes a tocar o Planalto. Era, agora, mais que um governador. Era o homem de quem se falava nas esquinas, o nome que circulava entre os sussurros da sucessão presidencial. E para os conterrâneos de Campo Grande, a notícia corria com orgulho, um dos nossos, um filho do cerrado, estava prestes a escrever seu nome na história do Brasil.
O caminho até o Planalto
A candidatura presidencial de 1960 surgiu do Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), fundado na Associação Brasileira de Imprensa no Rio de Janeiro, em abril de 1959. O país conheceu a campanha do homem da vassoura, símbolo de limpeza e moralidade.
E o governo de São Paulo foi o trampolim. Enquanto Juscelino erguia Brasília e prometia cinquenta anos em cinco, Jânio Quadros percorria o estado com sua postura rígida, o corpo franzino sempre envolto em ternos que lhe ficavam grandes, a gravata desalinhada como se fosse descuido, mas que talvez fosse parte da encenação. Porque em Jânio cada gesto parecia ter duas faces, a espontaneidade do acaso e a calculada teatralidade da política.
O povo enxergava nele um homem diferente. Não era o coronel de fala mansa, nem o populista de abraços largos. Jânio tinha a austeridade de um pregador e a ousadia de um ator. Falava contra privilégios, denunciava a corrupção, apontava dedos. Sua oratória não era melódica, mas incisiva, cortante, quase áspera. E por isso mesmo conquistava, era a palavra dura que o povo queria ouvir.
E foi com esse símbolo simples, mas poderoso, que sua campanha varreu o país. A vassoura virou estandarte, virou canto, virou oração política. Nas ruas, crianças carregavam vassourinhas de brinquedo, senhoras batiam a ponta da palha no chão como quem exorciza males invisíveis, trabalhadores viam naquilo a promessa de uma…
(*) João Carlos Vicente Ferreira é escritor, membro da Academia Mato-Grossense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, da Academia Brasileira de Belas Artes, dentre outras instituições.