Por Brisa Sanches
Em uma decisão histórica e que representa um marco na garantia dos direitos da comunidade transgênero no Brasil, a Justiça de Mato Grosso assegurou a uma mulher transgênero de 45 anos, residente na zona rural de Confresa (a 1.000 km de Cuiabá), o direito de realizar a cirurgia de redesignação sexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O procedimento, orçado em R$ 69 mil, será efetuado no Hospital de Base de São José do Rio Preto, em São Paulo, e está agendado para o dia 30 de outubro de 2025.
A ação judicial, ajuizada em março deste ano pela Defensoria Pública de Mato Grosso, sob a responsabilidade do defensor Geraldo Vendramini, da 1ª Defensoria de Porto Alegre do Norte, e sua equipe, é inédita na região pela abrangência e pela garantia do custeio integral pelo Estado.
Na petição inicial, Vendramini argumentou que “a cirurgia pleiteada transcende a mera questão jurídica, alcançando o cerne da saúde pública em sua acepção mais estrita”. O defensor enfatizou que a “negativa de acesso ao procedimento afronta, de maneira contundente, o princípio da dignidade da pessoa humana, pilar fundamental do Estado Democrático de Direito”.
Em suas palavras, o defensor destacou a importância da atuação da Defensoria: “Quando recebi esse caso, sabia que estava diante de algo diferente do cotidiano habitual da Defensoria. Não era apenas mais um processo, era a oportunidade de transformar princípios constitucionais em realidade palpável. Foi possível materializar, de forma concreta, não apenas o direito à saúde física e mental garantido pelo artigo 196 da Constituição Federal, mas também dar substância ao princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1º, III.”
O processo foi embasado em um relatório de uma endocrinologista, que indicou a necessidade da realização do procedimento fora de Mato Grosso, uma vez que o estado não dispõe de serviços habilitados para esse tipo de cirurgia. O documento médico atesta que a paciente apresenta “quadro de disforia de gênero, encontrando-se sob acompanhamento da equipe de endocrinologia há mais de dois anos”, manifestando “reiterado e inequívoco desejo de submeter-se à cirurgia de redesignação sexual, tendo inclusive aderido ao tratamento com terapia hormonal”.
O Que é a cirurgia de redesignação sexual?
A cirurgia de redesignação sexual, também conhecida como cirurgia de afirmação de gênero, é um conjunto de procedimentos médicos que visam adequar as características físicas de uma pessoa ao gênero com o qual ela se identifica. É uma etapa importante no processo de transição de gênero para muitas pessoas transgênero, buscando aliviar a disforia de gênero – o sofrimento causado pela incongruência entre o gênero atribuído ao nascer e a identidade de gênero.
Os procedimentos variam de acordo com a identidade de gênero da pessoa:
Para mulheres transgênero (pessoas designadas como do sexo masculino ao nascer, mas que se identificam como femininas), a cirurgia geralmente envolve a remoção do pênis (penectomia) e dos testículos (orquiectomia), seguida pela construção de uma neovagina, que busca simular a genitália feminina. Outros procedimentos podem incluir feminização facial, mamoplastia de aumento, entre outros.
Para homens transgênero (pessoas designadas como do sexo feminino ao nascer, mas que se identificam como masculinas), os procedimentos podem envolver a remoção das mamas (mastectomia), remoção do útero (histerectomia), dos ovários e trompas (ooforectomia e salpingectomia), e a construção de um neofalo (faloplastia ou metoidioplastia), que busca criar um pênis com sensibilidade e capacidade de urinar em pé.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o Processo Transexualizador, que é um programa completo e multidisciplinar. Para ter acesso a esses serviços, é necessário que a pessoa interessada procure uma unidade básica de saúde para encaminhamento e passe por avaliações médicas e psicológicas, geralmente por um período mínimo de dois anos. A idade mínima para iniciar o processo terapêutico e a hormonização é de 18 anos, enquanto para as cirurgias de redesignação sexual, é de 21 anos.
A decisão judicial em Mato Grosso, portanto, reforça o compromisso do Estado em garantir o acesso integral à saúde para a população transgênero, reconhecendo a importância desses procedimentos para o bem-estar físico e mental dos indivíduos e para a plena efetivação de sua dignidade humana.