Início GERAL Aprofir: “Quem não tiver irrigação não vai plantar 2ª safra em MT”

Aprofir: “Quem não tiver irrigação não vai plantar 2ª safra em MT”



O presidente da Aprofir (Associação dos Produtores de Feijão, Pulses, Grãos Especiais e Irrigantes de Mato Grosso), Hugo Garcia, fez um alerta sobre o futuro da agricultura no Estado e defendeu a irrigação como forma de minimizar os efeitos das mudanças climáticas. “Nos próximos 20 ou 30 anos, quem não tiver irrigação em Mato Grosso não vai plantar a segunda safra”, diz. 
 
Em entrevista ao MidiaNews, Garcia explicou que, com a redução dos períodos de chuva, a irrigação se torna uma necessidade urgente aos produtores, sejam grandes ou pequenos.
 

Nos próximos 20 ou 30 anos, quem não tiver irrigação em Mato Grosso não vai plantar a segunda safra

“Uma área irrigada pode produzir até 35% mais sem necessidade de desmatamento”, calcula.
 
Atualmente, segundo a Aprofir, Mato Grosso tem 235 mil hectares de área irrigada – número pequeno frente ao potencial de 10 milhões de hectares. 

 
Para o presidente da associação, é fundamental acelerar investimentos, ampliar o acesso ao crédito e desburocratizar processos ambientais. “O tripé é claro: outorga, energia e financiamento”.
 

  
Confira entrevista na íntegra:
MidiaNews – O senhor é um defensor da irrigação nas lavouras de Mato Grosso. O quanto da nossa produção é irrigada atualmente?
 
Hugo Garcia – Sou um grande defensor. Sou um entusiasta e sei do potencial dessa tecnologia para o agronegócio. E hoje a gente está em torno de 235 mil hectares de área irrigada em Mato Grosso. Isso é muito baixo pelo potencial que a gente tem, que é de 8 a 10 milhões de hectares. A gente tem muito a crescer, e um caminho grande pela frente.
 
MidiaNews – E como fazer esse incentivo? É política pública? É trazer mais conhecimento ao produtor? 
 
Hugo Garcia – Para você incentivar a irrigação, é preciso melhorar alguns probleminhas que a gente está tendo pra desenvolvimento dessa tecnologia. Uma delas é a liberação de outorga mais ágil, que é a parte ambiental; e outra é ter mais financiamentos para esse tipo de tecnologia, ter um dinheiro a mais alocado para isso. 
 
Um exemplo é que o Governo Federal, no plano safra passado, estipulou cerca de R$ 2 bilhões para a irrigação. Isso corresponde a 70 mil hectares de área irrigada para o Brasil todo. E isso não é nada! É preciso um incentivo maior. 
 

Victor Ostetti/MidiaNews

“A segurança econômica que a irrigação traz para o agro é muito grande”, diz o presidente da Aprofir

Porque se você entender que a irrigação é uma tecnologia que garante a primeira safra de Mato Grosso, a segunda safra, e dá uma oportunidade para uma terceira safra – e aqui é o único estado do país que pode ter três safras por ano -, vai ver que é preciso incentivar muito para acontecer. A segurança econômica que a irrigação traz para o agro é muito grande. 
 
É sabido que a gente pode perder uma lavoura tanto de soja, de milho, ou de feijão, seja por excesso ou por falta de chuva. Só que o excesso você não perde na totalidade. Porque ele vai arder um pouco o grão, vai apodrecer, aí você pega um grão bom, mistura, padroniza e manda embora.
 
Agora, a falta de água, não. Se não tiver água, não produz nada, é zero! A urgência econômica por falta de água é muito maior do que por excesso. E a irrigação evita esse tipo de problema. 
 
Há dois anos, nós tivemos um problema climático, a maior seca dos últimos 20 anos. E quem teve irrigação não teve esse problema. Chegou num momento em dezembro, outubro, que secou. [Mas] o produtor ligava a irrigação, molhava, continuou a sua soja num cultivo ideal. E é para isso que a irrigação veio.
 
Ela garante a primeira safra, garante a segunda safra e dá uma terceira safra em Mato Grosso.  
 
MidiaNews – E a gente tem já projeções sobre essa inconstância de chuva para esse ano? 
 
Hugo Garcia – Cada ano é um ano. O que a gente sabe é que nos próximos 20 ou 30 anos quem não tiver irrigação em Mato Grosso, não vai plantar a segunda safra. Por que isso? É preciso entender que há 30 anos Mato Grosso tinha períodos de chuva que duravam 245 dias, e hoje são 203. E a perspectiva nos próximos 20 ou 30 anos é cair para 170 dias. E aí a segunda safra, para quem não tiver irrigação, está inviabilizada em Mato Grosso. 
 
Essa tecnologia é tão importante para os próximos anos do agronegócio em Mato Grosso que a gente tem que incentivar o mais rápido possível, para se desenvolver o mais rápido possível.
 
MidiaNews – Presidente, e sobre tipos de irrigação, como funcionam e quais mais viáveis?
 

A gente tem que tentar fazer com que o agricultor familiar produza produtos de alto valor agregado

Hugo Garcia – Tem vários tipos de irrigação, depende da cultura que você vai trabalhar. Tem a irrigação que o é pivô central, que é usada na cultura de grande escala, como soja, milho, algodão, feijão… Tem irrigação subterrânea, por baixo do solo, que também são para áreas grandes e pequenas.
 
Tem a irrigação por aspersor, por gotejamento… Há várias técnicas de irrigação. Tem que entender o que você vai trabalhar.
 
Eu falo que para agricultura familiar, por exemplo, a salvação, tanto em Mato Grosso como no Brasil, vem através da irrigação. Você tem que fazer com que a agricultor familiar produza um produto de alto valor agregado: uma fruticultura, uma hortaliça. 
 
Por exemplo, o maracujá. O faturamento é de mais de R$ 100 mil por hectare. Mirtilo é em torno de R$ 1 milhão ou R$ 1,5 milhão por hectare. A gente tem que tentar fazer com que o agricultor familiar produza produtos de alto valor agregado, porque normalmente ele tem uma área pequena: 10, 20 ou 5 hectares. É uma área pequena. Como é que ele vai sobreviver produzindo soja ou milho? Não consegue, é inviável. Agora, produzindo frutas e hortaliças ele consegue, porque são produtos de alto valor agregado. 
 
Nós poderíamos estar produzindo pra nós consumirmos, produzindo pro Brasil consumir e pro Mundo consumir. Temos potencial pra isso. E não tenho dúvida que a salvação da agricultura familiar está dentro da irrigação.
 
MidiaNews – A irrigação pode garantir até três safras de grãos, mas também esbarra nessa questão ambiental por supostamente causar alguma escassez de água. O que o senhor tem a dizer a respeito disso? 
 
Hugo Garcia – Isso é um achismo. Quem diz isso são pessoas que não têm conhecimento. Se você analisar que nós temos em torno de 10 milhões de hectares de irrigados no Brasil todo e essa área consome apenas 0,48 % do volume de água do Brasil, não é nada. 
 
Não é a irrigação que acaba com a água. E outra coisa: a água é cíclica. Chove, volta, você irriga, vai pro lençol freático. E se você não utilizar a água que está no rio naquele momento que está passando, ela vai para onde? Para o mar. Vai se tornar uma água salobra. Não é a irrigação que diminui a água.  
 

Victor Ostetti/MidiaNews

Hugo Garcia: “Eu te garanto que não é irrigação que vai acabar com a água”

Nós estamos tendo problemas climáticos que, isso sim, faz com que a água diminua. Nesses últimos anos choveu muito menos do que choveu no passado. Os lençóis freáticos não foram bem carregados, mas isso é cíclico, né? A cada 10 anos ou 15 anos isso acontece, é normal. Isso acontece na natureza.
 
Mas eu te garanto que não é irrigação que vai acabar com a água.
 
MidiaNews – E quais são os principais entraves do setor produtivo que dificultam essa expansão da irrigação, especialmente na agricultura familiar? 
 
Hugo Garcia – Nós temos hoje que corrigir algumas questões burocráticas do Estado, da Sema [Secretaria de Estado do Meio Ambiente], a questão de liberação de outorga, ser um pouco mais ágil… Temos que resolver um problema grande em Mato Grosso, que é o problema de fornecimento de energia.
 
A energia para a irrigação tem que ser uma energia de extrema qualidade. Se tiver alguma coisa errada, alguma tensão errada, o sistema de irrigação, que é muito moderno e seguro, desliga automaticamente para não queimar. Ou seja, a energia tem que ser perfeita. 
 
E nós temos um grande problema: é sabido que em torno de 72% das nossas redes são monofásicas. A gente está muito atrasado! Temos que ter um grande investimento na área de energia para conseguir desenvolver a irrigação, mas não só a irrigação, até as agroindústrias.
 
A gente sonha que Mato Grosso industrialize seus produtos, mas como vai fazer isso sem energia? Impossível. Tem que melhorar muito nisso. É o tripé: outorga, energia e financiamento. É o incentivo para a irrigação em Mato Grosso. 
 
O FCO (Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste) tem que ter mais volume dinheiro para a irrigação, trazer outros incentivos.
 
MidiaNews – Sobre energia, o setor tem dialogado com a Energisa ou com a própria Eletronorte, que faz essas linhas de transmissão? 
 
Hugo Garcia – Sim, nós temos conversado muito. Fizemos um trabalho muito grande há uns meses, em que estávamos com problema sério de energia na região de Sorriso. Através da Aprofir, nós conseguimos resolver esse problema. Aumentar carga de energia: de 30 megas foi para 90 megas. E no ano que vem vai para 330 megas. E vamos solucionar o problema. Mas nós temos muito que melhorar. 
 
Agora é momento que os produtores estão colhendo a sua segunda safra de milho. Então quem tem irrigação está plantando a terceira safra. E é agora que começam a aparecer muitos problemas: quando começa a ligar os equipamentos. Aí se vê que a rede está sem manutenção adequada, começa a cair…  Nesse começo a gente sempre tem problemas com a Energisa. 
 
Mas tenho percebido o empenho do presidente Marcelo Vinhaes. Não é um problema simples de resolver, mas acredito que se gente somar força, a Energisa e o Governo do Estado, a gente tem grandes soluções pra frente. 
 

 
MidiaNews – O senhor falou desse tripé de desafios. Eles são para o pequeno agricultor e o grande agricultor, ou tem alguma singularidade? 
 
Hugo Garcia – Para ambos. Tanto o pequeno quanto o grande agricultor vão entrar com pedido de outorga no mesmo órgão. Tanto o pequeno como o grande vai precisar de pedido de energia para usar na irrigação. E financiamento também. 
 
Lógico que a gente pode ter alguma coisa diferente, para o agricultor familiar algum financiamento com subsídio maior. 
 
Nós estamos desenvolvendo um programa na Aprofir, junto com deputado Dilmar Dal’Bosco, que vamos levar para 10 municípios da Baixada Cuiabana, em que 50 assentados vão receber irrigação, as mudas, as frutas que vão ser produzidas, capacitação, assistência…
 
E depois que tudo isso ficar pronto, a gente ainda vai vender pra eles. A gente quer criar o polo de fruticultura de Mato Grosso. Fazer com que Mato Grosso, além de ser o maior produtor de soja, de milho, de algodão, o maior produtor de carne bovina, seja também o maior produtor de frutas e verduras no Brasil. 
 
MidiaNews – A gente pode, então, produzir frutas que sem irrigação seriam impensáveis em Mato Grosso? 
 
Hugo Garcia – Com certeza. A fruta de cultura normalmente é uma planta perene, ela precisa de água o ano todo. Por que a gente não produz fruta o ano todo em Mato Grosso? São seis meses de chuva e seis meses sem chuva.
 
Naquele momento que está sem chuva, tem que estar molhando a planta de frutas, para poder produzir. Com esse trabalho na irrigação, através desse manejo que a gente vai capacitar essas famílias de agricultores, não tenho dúvida que eles vão produzir muito. 
 
Já tem alguns agricultores fazendo isso. Aqui em Chapada tem um agricultor que conheci produzindo limão. Nossa! De uma qualidade excepcional! Maracujá. Eu recebi foto de um agricultor da Baixada Cuiabana produzindo melão, melancia… São frutas perfeitas, feitas através da irrigação. 
 
MidiaNews – Há um dado mostrando que a irrigação pode custar até R$ 30 mil por hectare. Como ajudar esse pequeno produtor? É o Ministério da Agricultura ou o Estado também podem auxiliar?
 

Queremos incentivar os próprios mercados de Mato Grosso a comprar o produto da agricultura familiar.

Hugo Garcia – Pode, pode. A Assembleia Legislativa aprovou um financiamento do Banco Mundial para a Secretaria de Agricultura Familiar, em torno de US$ 180 milhões. Destes, US$ 100 milhões são voltados para agricultura familiar.
 
Nesse projeto-piloto, seriam destinados dois hectares de agricultura irrigada a cada família, com as mudas, com o calcário, com o adubo… A gente vai entrar com tudo. Além disso, com a capacitação do agricultor, com assistência também, às quais não podemos virar as costas. E depois tentar formar uma associação que vá vender esses produtos dentro do Estado. 
 
Nós temos algumas outras ideias, de a gente incentivar os próprios mercados de Mato Grosso a comprar o produto da agricultura familiar. Fiquei sabendo esses dias que há uma rota das bananas em Cáceres. E estão jogando em torno de duas mil, três mil caixas de banana fora por mês. E os mercados de Mato Grosso comprando banana de fora.
 
Não está havendo comunicação. Estão perdendo dinheiro porque não há comunicação. É uma coisa que não dá pra admitir. Esse é um trabalho que tem que ser feito em conjunto, com o Governo do Estado, com a Assembleia Legislativa, com a Aprofir e com os agricultores familiares.
  
MidiaNews – Gostaria de entender melhor sobre a questão do feijão. Mato Grosso pode se tornar um dos maiores, se não o maior produtor do Brasil graças à irrigação?
 
Hugo Garcia – Com certeza! A gente é o maior produtor de feijão com área irrigada do Brasil. A gente pode se tornar o maior produtor de feijão também. Hoje somos os maiores produtores de gergelim, que é um cultivo que entrou há poucos anos em Mato Grosso. 
 
E não tenho dúvida que se desenvolver a irrigação, como tem que ser desenvolvida, a gente vai ser o maior produtor de feijão, de gergelim, de mungo-verde, mungo-preto, os pulses em geral: ervilha, grão de bico…
 
E isso é muito bom, porque a gente pode, num momento de preço baixo, por exemplo, do milho, ter uma opção para plantar uma outra variedade, um outro cultivo. Hoje, se você analisar, [vai perceber que] o gergelim está sendo mais rentável do que o milho… Sou agricultor. Plantei 100% da minha área em milho, mas eu poderia ter plantado 70% de milho e 30% de gergelim. Talvez esse preço não estaria baixando tanto, com tanta oferta, porque o mercado é oferta  e procura. Se você tem muito produto, vai baixar o preço.
 
MidiaNews – O gergelim é feito para exportação ou é produzido para o consumo interno? 
 
Hugo Garcia – Noventa e cinco por cento é exportado. A gente fez um trabalho muito grande junto com o Governo do Estado e junto com o Ministério da Agricultura, através da Aprofir Mato Grosso e Brasil. E no ano passado, o Governo Federal abriu o mercado da China.
 
Antes a gente mandava pra China através do Vietnã. Era como se fosse um contrabando: a gente mandava pro Vietnã e os caras entravam na China. Hoje já conseguimos exportar diretamente para a China, sem atravessador, e conseguimos uma vantagem financeira. 
 
Ou seja, hoje o maior consumidor de gergelim do nosso país é a China. Tanto que, uns dois ou três meses atrás, assinei o primeiro tratado de troca de tecnologia com um centro de ciências da China. Eles vão mandar o germoplasma deles para a Aprofir, para a gente desenvolver e cultivar o gergelim para Mato Grosso. 
 
Eles vão mandar o gergelim que realmente eles gostam de consumir. Porque há dois tipos de gergelim: o amargo e o doce. E eles gostam de consumir o doce.
 
MidiaNews – Com o cenário global de mudanças climáticas e demandas crescentes por alimento, como os produtores podem estabilizar essa produção com sustentabilidade? Irrigação pode se traduzir em alta produtividade sem desmatamento?
 
Hugo Garcia – Com certeza. Se você analisar uma área irrigada, comparar uma área irrigada com uma área de sequeiro, que não tem irrigação, eu consigo produzir de 25% a 35% a mais de soja. Milho, a mesma coisa.
 
Ou seja, veja quanto você deixa de desmatar. E além de tudo isso, você tem uma terceira safra. Com certeza a irrigação é um equipamento de alta sustentabilidade. E o uso da água é muito restrito, só o necessário.
 
Nenhum agricultor usa água de irrigação por achar bonito, porque é caríssimo. Você gasta uma fortuna de energia. Usa porque é necessário. 
 
MidiaNews – Falamos que o custo da irrigação pode chegar até R$ 30 mil por hectare. A Aprofir tem uma estimativa de em quantas safras o produtor consegue pagar esse investimento?
 
Hugo Garcia – Hoje o equipamento mais caro que é o pivô central… O payback de pagamentos é em de três a quatro anos do que você vai faturando a mais em soja, a mais em milho, a mais em uma terceira safra.
 
É superviável. É um equipamento que tem uma durabilidade de 30 a 50 anos, ou seja, proporciona muitos anos de lucratividade e uma segurança de não ter uma perda por falta de água. 
 
Vou usar um exemplo meu. Não gosto muito de usar, mas eu fechei uma média de 70 sacos de soja [por hectare]. Teve vizinhos meus que fecharam uma média de 25. Se você pegar que você deixou de faturar 45 sacos de soja [por hectare] em uma safra, você pagou todo seu equipamento naquele momento.
 
Quando comecei a plantar feijão, em 2014, e instalei os meus primeiros pivôs centrais, vendi feijão por R$ 100. Em 2015, eu vendi de feijão por R$ 500. Naquele ano eu paguei os meus pivôs todos. 
 
Veja entrevista na íntegra:
 

 



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