Por João Arruda | Cáceres
Uma preocupante realidade assola a área de fronteira entre Mato Grosso e Bolívia: o assassinato de inúmeros cidadãos brasileiros em solo boliviano, cujas causas e autorias raramente são alvo de investigações eficazes e punição. Este cenário de impunidade tem se arrastado por anos, resultando em dezenas de mortes sem elucidação e gerando uma sensação de insegurança e desamparo para as vítimas e seus familiares.
Há alguns anos, um caso emblemático chocou a região: nove brasileiros foram chacinados em San Matias e enterrados em uma vala aberta por bolivianos nos fundos do aeroporto local. A localização dos corpos só foi possível após uma denúncia anônima ao extinto jornal impresso “Jornal Cacerense”, que apontou o local exato. A intervenção da Polícia Federal de Cáceres foi fundamental para a negociação e exumação dos cadáveres, que foram trasladados para o IML de Cáceres. Dentre as vítimas, apenas uma mulher, conhecida como “Gaúcha”, não pôde ser identificada.
Ciclo de violência e falta de respostas
O padrão de impunidade persiste. Diversos outros brasileiros mortos em cidades bolivianas, especialmente na região fronteiriça, também tiveram seus casos arquivados sem solução. Entre eles, destaca-se o brutal assassinato do ex-cabo da Polícia Militar de Mato Grosso, Denis Basto Pereira, apelidado na Bolívia de “El Toro”. Mais recentemente, a morte do traficante Weverton de Carvalho, vulgo “Pupunha”, ocorrida há dois anos em solo boliviano, segue sem qualquer esclarecimento, reforçando a continuidade dos homicídios e chacinas brutais do outro lado da fronteira.
A história da violência na fronteira é longa e marcada por episódios macabros. Em 1994, uma chacina brutal assombrou Porto Esperidião (a 330 quilômetros de Cuiabá). Um mecânico conhecido como “Osmarzinho”, que atuava em sua oficina, foi levado por supostos policiais militares, junto com outros cinco homens. Eles teriam atravessado a divisa, sido executados algemados e, em seguida, seus corpos foram carbonizados dentro de uma carcaça de Paraty.
Outro caso horripilante envolveu o técnico em agropecuária Luiz Marcos da Silva, o “Galista”, um entusiasta do turfe. Ele foi executado e teve seu corpo esquartejado e desovado em uma lagoa infestada de jacarés, localizada entre San Matias e Las Petas. O automóvel de Marcos apresentava sinais de sangue, pele humana e vestígios de luta corporal. Assim como outras mortes violentas, este caso também “se quedou nas prateleiras carcomidas da insalubre delegacia matieña”, nas palavras de fontes locais.
Precariedade institucional agrada à impunidade
Denúncias recebidas pela reportagem apontam para uma estrutura policial e pericial precária na Bolívia, especialmente na região de fronteira. A falta de protocolos básicos para a apreensão de armas, coleta de cápsulas de projéteis e isolamento de áreas de crime é alarmante. De acordo com fontes na Bolívia, a rotina envolve o transporte dos corpos em carrocerias do local do fato até um antigo casebre, onde são realizados procedimentos rudimentares de autópsia e necropsia, sem qualquer rigor técnico ou processual que pudesse levar à elucidação dos crimes.
Essa fragilidade institucional contribui diretamente para o ciclo de impunidade, deixando em aberto a dor das famílias e alimentando a audácia de criminosos que operam na fronteira, sabendo que as chances de serem responsabilizados por seus atos são mínimas. A situação clama por uma atuação mais assertiva das autoridades brasileiras e bolivianas para garantir justiça e segurança aos que vivem e transitam nessa região de alto risco.





