Crédito, Getty ImagesArticle InformationAs fotos que você posta nas redes, o filme que vê no streaming, a aposta nos sites de bets, tudo isso é processado em um data center, um centro de armazenamento de dados que funciona como uma espécie de “cérebro” da internet.E que é também um ávido consumidor de energia. “Eles funcionam como um computador gigante de alta performance”, ilustra Juliano Covas, gerente comercial e de engenharia para o segmento de data centers da América Latina da Corning Optical Communications.Com corredores cheios de armários de ferros com pilhas de servidores, os data centers demandam muita eletricidade, usada tanto pelas máquinas em si quanto pelo sistema de refrigeração que funciona sem parar para impedir que elas superaqueçam.Com o aumento da conectividade, essas estruturas se multiplicaram no Brasil nos últimos anos. Hoje há 162 data centers espalhados pelo país, conforme estimativas da Associação Brasileira de Data Centers (não há dados públicos oficiais), com capacidade instalada em torno de 750MW e 800MW. Algo dessa magnitude, para efeito de comparação, é semelhante ao consumo de energia de uma cidade de cerca de dois milhões de habitantes, conforme estimativas feitas por técnicos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a pedido da reportagem.Com a popularização do uso da inteligência artificial, contudo, a expansão prevista para a próxima década, deve multiplicar esse número em mais de 20 vezes. Nessa escala, o segmento de data centers pode se tornar estratégico — foi inclusive mencionado nesta semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como setor que pode ser explorado em conjunto com os Estados Unidos em meio à negociação do tarifaço americano.Haddad justificou dizendo que o Brasil possui grande oferta de energia pra manter esses centros de processamento de dados funcionando.De acordo com os números do Ministério de Minas e Energia, a demanda por energia por data centers no Brasil deve chegar a 17.716 MW em 2038, estimativa feita com base nos pedidos de acesso à rede de energia do país enviados pelas empresas à pasta.Um desses pedidos, que recebeu recentemente o aval do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), é um megaempreendimento de 300 MW, com investimento previsto de R$ 50 bilhões, que deve ser erguido na região do porto do Pecém, no Ceará, para abrigar um data center que estaria gerando interesse em grandes empresas de tecnologia como a chinesa ByteDance, dona do TikTok, conforme noticiou a agência Reuters.À reportagem, o TikTok afirmou que no momento não confirma nem nega a informação.A Casa dos Ventos, responsável pelo projeto, disse que o início da construção está previsto para o segundo semestre de 2025 e que a expectativa é que o complexo entre em operação em 2027.Crédito, Getty Images’Data centers são caixas pretas’Usando a mesma analogia do consumo de eletricidade por habitante (que não é uma comparação perfeita, mas serve para dar dimensão da magnitude), a demanda por energia projetada para os data centers em 2038 equivaleria à de uma cidade de 43 milhões de habitantes, quase quatro vezes a população da cidade de São Paulo (11,5 milhões, conforme o Censo 2022).Mas o que isso significa — qual vai ser o impacto desse crescimento?Via de regra, qualquer aumento na produção de energia elétrica, ainda que renovável, gera algum tipo de impacto ambiental, que pode inclusive afetar negativamente as populações que vivem próximo às usinas (leia mais abaixo).No caso dos data centers, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram que hoje é difícil fazer essa estimativa com precisão, especialmente com a disseminação da inteligência artificial.Data centers que têm a capacidade de treinar, implementar e disponibilizar aplicações e serviços de IA são equipados com circuitos eletrônicos com chips de alto desempenho (como o H100 da Nvidia) que consomem muito mais energia do que os tradicionais.O quanto mais, contudo, hoje ainda é difícil dizer. Cientistas que têm se dedicado a tentar estimar o consumo de energia — e o impacto ambiental como um todo — afirmam que a quantidade de informações compartilhadas pelas empresas de tecnologia e operadores de data centers não é suficiente para fazer um cálculo acurado.Não se sabe, por exemplo, em que capacidade os data centers operam — se consomem algo perto de toda a energia que a infraestrutura dispõe ou muito menos que isso. Outro dado considerado importante que não é compartilhado pelas empresas é qual percentual dos servidores é usado para treinar os modelos e para a operação de fato dos chatbots, a chamada “inferência”, processo usado para gerar o texto de resposta.Ou ainda quais data centers são usados para esse tipo de serviço.”Os data centers são caixas pretas”, diz Alex de Vries, fundador do Digiconomist, projeto que há uma década estuda as consequências não-intencionais das tendências digitais.”Nós estamos conversando por Zoom agora e eu não faço ideia em que parte do mundo estão os servidores que estão processando a chamada”, ilustra o economista, que mora nos arredores de Amsterdam e pesquisa o consumo de energia e o impacto ambiental da IA como parte do doutorado na Vrije Universiteit Amsterdam.De Vries tenta calcular o uso de eletricidade a partir dos chips da maior fornecedora hoje para a indústria de IA, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), levando em consideração o volume de chips vendidos pela empresa e fazendo suposições sobre a capacidade utilizada dos data centers onde eles operam, a eficiência do sistema de refrigeração e os demais parâmetros para os quais não há informações divulgadas.”É um desvio enorme para se chegar a algo que deveria ser muito simples de obter”, ele comenta. “As empresas sabem exatamente quanto de energia seus sistemas de IA estão usando, eles apenas optam por não publicar essa informação”, completa.Com o cálculo, ele chega em uma estimativa do consumo global de energia pela inteligência artificial, que no ano passado se comparava a toda a eletricidade usada na Holanda.”Em 2025 esse número deve dobrar, a inteligência artificial vai consumir duas vezes mais energia do que um país como a Holanda”, afirma De Vries.O economista tem advogado por mais transparência por parte das empresas de tecnologia, argumentando que hoje é difícil confrontar os custos e benefícios da inteligência artificial.”Enquanto isso, a demanda por energia está crescendo tão rápido. Nunca vimos nada parecido antes”, ressalta De Vries.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Especialista tenta estimar consumo de energia da IA a partir de dados de chipsUma pergunta pro ChatGPT consome uma garrafa d’água?Fabro Steibel, que é diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), pontua que o uso de data centers no Brasil é muito diferente do que se observa em países como os EUA, por exemplo, onde algumas dessas instalações são usadas para treinar modelos de linguagem grandes (LLM, na sigla em inglês) como o ChatGPT, Claude e Gemini.”A gente não é ‘big techs'”, ele pondera, emendando que a comparação que ficou famosa no último ano, de que uma pergunta ao ChatGPT consumiria algo semelhante a uma garrafa d’água, não é generalizável para o setor como um todo.”Isso não foi inventado, mas é um caso bem específico, em um determinado contexto”, completa.Essa ideia nasce, segundo ele, a partir de uma reportagem do Washington Post de setembro de 2024 que repercutia um estudo de pesquisadores da Universidade da California, Riverside com uma estimativa do gasto de água para que o chatbot escreva um email de 100 palavras (519 ml).O próprio texto destaca que o consumo de água varia a depender do sistema de refrigeração usado pelo data center e lista diferentes estimativas a depender do Estado americano em que estivesse localizado, indo de 235 ml no Texas a 1.468 ml em Washington.O consumo de água nos data centers se dá basicamente de duas formas: indireta, quando a energia usada na instalação vem de hidrelétricas, e direta, quando o recurso é usado no sistema de refrigeração do prédio.Há dois modelos bastante diferentes de refrigeração, entretanto. Um deles usa uma torre de resfriamento em que a água que passa pelo circuito evapora, criando a necessidade de adição de água pura constantemente ao sistema.O segundo é um sistema de refrigeração de ciclo fechado, em que o uso de água é significativamente menor.Esse, segundo a assessoria da Casa dos Ventos, será o modelo utilizado no grande data center previsto para ser construído no Ceará. À reportagem, a empresa afirmou ainda que o data center terá acesso exclusivo “a 300MW de energia fornecida por parques eólicos e solares”.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Data centers têm refrigeração ininterrupta para evitar superaquecimento de componentes elétricosO lado B das energias renováveisMesmo as energias renováveis, contudo, têm algum tipo de impacto, ainda que em termos de emissões de gases de efeito estufa elas sejam muito menos danosas do que os combustíveis fósseis.Ou conflitos territoriais entre as empresas e comunidades locais, que são tema de pesquisa da professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Adryane Gorayeb, que é também membro do Observatório da Energia Eólica.Em uma das comunidades estudadas por ela, localizada no litoral do Ceará, o empreendimento aterrou uma das lagoas entre dunas que era usada para pesca durante o inverno, comprometendo a subsistência da população local, e bloqueou a única via que os moradores usavam para sair e entrar no vilarejo, forçando-os a escalar dunas mais altas para se deslocarem.”Muitas das comunidades tradicionais do litoral impactadas pela construção de usinas vivem uma rotina de ameaças aos seus direitos mais básicos, desde acesso à água, alimentos e à terra”, comenta.O Observatório da Energia Eólica recentemente expandiu seu escopo para pesquisar também os impactos da energia solar, que vão desde consumo de água para lavar os painéis até uso de agrotóxicos na manutenção da vegetação que cresce abaixo das placas solares.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Energias renováveis também geram impacto, ainda que menor do que o de combustíveis fósseisSoluções locaisFabro Steibel, da ITS, argumenta que o Brasil está produzindo “soluções locais” na construção de uma infraestrutura local voltada para a inteligência artificial com potencial de produzir impacto ambiental significativamente menor do que o observado em países como os EUA.”A necessidade faz a solução. Se eles [big techs] têm todo o equipamento à disposição, não têm incentivo nenhum de revolucionar. A gente não tem esse recurso”, destaca.E cita como exemplo a previsão, na recém-aprovada lei de fomento à IA aprovada em Goiás, do uso de biometano para produção de energia para data centers. O ITS coordenou a consulta pública realizada durante a elaboração da proposta.”O data center movido a biometano existe? Não, ele é outra frequência, outra coisa. Mas pode existir. E o biometano tá ali, é o que sobra da soja e do milho.”Goiás espera se tornar o primeiro Estado do país a usar os chips mais avançados da Nvidia, o Blackwell B200, que foram encomendados pelo Centro de Excelência em IA da Universidade Federal de Goiás (UFG). O objetivo é integrá-los em oito supercomputadores que serão usados em cerca de 70 projetos de pesquisa.A reportagem tentou contato com o Centro de Excelência em IA da universidade pedindo detalhes sobre a estimativa de consumo de energia da nova estrutura, mas não teve retorno.
FONTE