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Déficit das transações externas do Brasil cresce em ritmo menor



Em alta desde meados do ano passado, o déficit do setor externo vem crescendo em ritmo menor nos últimos meses, mostram dados divulgados pelo Banco Central nesta sexta-feira (25). A desaceleração coincide com a perda de força da atividade econômica do país, que já reflete o ciclo de alta de juros praticado pela autoridade monetária.
 
Nos 12 meses encerrados em junho, as transações externas foram deficitárias em US$ 73,1 bilhões – o equivalente a 3,42% do PIB (Produto Interno Bruto). Um ano antes, também no acumulado em 12 meses, o déficit somava US$ 28,9 bilhões (1,28% do PIB).
 
De maio de 2024, quando o déficit começou a subir, até fevereiro deste ano, houve um salto de 1,19% para 3,18% do PIB, ou seja, um aumento de quase 2 pontos percentuais. Já entre fevereiro e junho, período em que o ritmo de crescimento começa a perder força, a elevação foi de 0,24 ponto percentual.
 
No mês passado, o saldo negativo em transações correntes foi de US$ 5,13 bilhões. O resultado foi pior do que a expectativa do mercado, conforme pesquisa da Reuters com especialistas, que apontava para um déficit de US$ 4,36 bilhões em junho. No mesmo período do ano anterior houve saldo negativo de US$ 3,37 bilhões.

 
O crescimento do déficit de transações correntes significa que há maior demanda por bens e serviços ofertados no exterior por parte dos residentes no Brasil. Esse comportamento da demanda, por sua vez, está associado ao grau de aquecimento da atividade econômica.
 
“O déficit das transações correntes continua crescendo, mas ele está crescendo um pouco menos a cada mês. Essa desaceleração deve estar correlacionada com a desaceleração da atividade econômica, [que vem] crescendo menos neste ano do que no ano passado”, afirmou o chefe do departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha.
 
A economista Andrea Damico, CEO da Buysidebrazil, ressalta que o déficit do setor externo tende a se estabilizar em um nível elevado e prevê que até o fim do ano se mantenha em torno de 3% do PIB. Na visão dela, não há espaço para melhora significativa nos próximos meses.
 
“Para começar a falar em reversão do déficit, a gente teria que ver a economia de fato rodando abaixo do potencial. Esse não é o caso. A gente está indo primeiro para um hiato [diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo] mais neutro. Isso contribui para uma estabilização do déficit”, disse.
 
Damico também destaca a mudança de hábitos da população, que hoje consome mais serviços em plataformas de streaming, como Netflix e Spotify, como um componente estrutural que ajuda a sustentar o aumento do déficit externo.
 
Na análise do Banco Central, pesa para a piora no déficit das transações correntes a redução do superávit da balança comercial, com exportações estáveis e importações crescendo. O crescimento da importação de bens, contudo, tem desacelerado. O resultado superavitário de US$ 5,3 bilhões foi o menor para meses de junho desde 2019.
 
“O superávit comercial brasileiro, considerando o primeiro semestre, reduziu 30%. Isso explica mais de dois terços do aumento total do déficit em transações correntes”, disse Rocha.
 
No cálculo entra também a revisão do balanço de pagamentos, que resultou na redução do déficit em transações correntes em US$ 3,3 bilhões em 2024 e na ampliação do déficit em US$ 2,8 bilhões no período de janeiro a maio. Do total, US$ 2,6 bilhões estão concentrados na conta de renda primária, sobretudo em lucros e dividendos.
 
De acordo com o técnico do BC, as empresas que atuam no exterior tiveram lucros menores neste primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado. “Isso pode ser decorrente da redução do preço de commodities no mercado internacional, que diminuiu a lucratividade dessas empresas, entre outros fatores. Foi essa queda de receitas que aumentou o déficit na conta”, disse.
 
Os dados divulgados pelo BC mostraram também que os investimentos diretos no país totalizaram US$ 67 bilhões (3,14% do PIB) no acumulado em 12 meses, patamar insuficiente para financiar integralmente o déficit externo em igual período.
 
Em junho, os ingressos líquidos somaram US$ 2,8 bilhões, bem abaixo dos US$ 6,3 bilhões no mesmo mês do ano passado. Essa significativa redução mensal foi puxada pelos empréstimos intercompanhia, detalhou Rocha.
 
Segundo ele, essa queda acentuada trata-se de um movimento pontual e não de uma tendência. “A razão para a redução dos fluxos líquidos de operações intercompanhia é o cronograma de pagamentos das operações que foram contraídos em períodos anteriores e não houve uma rolagem integral dessas operações no mês. Prevaleceu a amortização de operações contratadas anteriormente conforme o cronograma de vencimentos”, disse.
 
Ainda que possa ter acontecido algo pontual no mês, a CEO da Buysidebrazil vê o tema com atenção. “Nos últimos anos, o IDP [investimentos diretos no país] sempre trabalhou bastante acima do déficit externo, chegou a ter períodos de 0,5% a 1% a mais do PIB de IDP em relação ao déficit externo. O fato de agora estar equilibrado já não é muito trivial. O fluxo cambial neste ano está bastante negativo, até fora da sazonalidade”, disse Damico.
 
O tema também está no radar de Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central. “A gente não está neste período conseguindo pagar o déficit em conta corrente com FDA [investimento direto no país], isso é um ponto de preocupação”, afirmou.
 
A maior saída de recursos com lucros e dividendos é outro ponto que chama a atenção dele. “As empresas estrangeiras aqui no Brasil estão investindo menos ou reinvestindo menos. De fato, estão tirando mais dinheiro, tendo fluxo maior de saída, de repatriação de lucro. Não são coisas alarmantes, mas precisa prestar atenção, sim”, acrescentou.
 
A conta de renda primária apresentou rombo de US$ 6,2 bilhões em junho, ante saldo negativo de US$ 4,94 bilhões no mesmo período do ano anterior. Já o rombo na conta de serviços ficou em US$ 4,52 bilhões, contra déficit de US$ 4,36 bilhões em junho de 2024.



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