Gaza: as empresas da América Latina acusadas de lucrar com ‘genocídio’ israelense



Crédito, ReutersLegenda da foto, O Estado brasileiro é sócio majoritário da Petrobras, que aparece na lista das empresas que se ‘beneficiam do genocídio’ na Faixa de Gaza; empresa nega conclusão do relatórioArticle InformationA relatora especial da ONU para os territórios palestinos, Francesca Albanese, acusou, no início de julho, várias empresas multinacionais de “se beneficiarem do genocídio” na Faixa de Gaza.Em relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, Albanese expôs a participação de empresas de todo o mundo na campanha militar de Israel em Gaza.Dentre elas, quatro empresas operam na América Latina, de onde exportam seus produtos.”Enquanto a vida na Faixa de Gaza está sendo destruída e a Cisjordânia é cada vez mais atacada, este relatório demonstra por que o genocídio de Israel prossegue: porque é lucrativo para muitas pessoas”, afirma o relatório, intitulado From Economy of Occupation to Economy of Genocide (“Da economia de ocupação para a economia de genocídio”, em tradução livre).Israel negou reiteradas vezes a acusação de genocídio e rejeitou o documento preparado pela relatora da ONU, que qualifica como “infundado”. O país afirmou que o relatório “irá para a lixeira da história”.Entre as empresas acusadas por Albanese de participar de uma “economia de genocídio”, encontram-se a brasileira Petrobras e a mexicana Orbia Advance Corporation.Constam também do relatório duas multinacionais, Drummond e Glencore, que exportam carvão da Colômbia para Israel.A BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) entrou em contato com as quatro empresas para saber sua opinião sobre as acusações. A Petrobras respondeu que não vendeu “petróleo bruto nem óleo combustível para clientes israelenses durante o período mencionado” e que não é possível concluir que a Petrobras tenha exportado petróleo para Israel pelo simples fato de que a companhia detém grande participação nos campos petrolíferos brasileiros (veja mais detalhes abaixo). Entre as empresas citadas nesta reportagem, a Orbia foi a única que não respondeu aos pedidos de comentários até a publicação da matéria.Nas últimas semanas, Albanese publicou uma série de documentos, pedindo a outros países que pressionem e até imponham sanções a Israel, para pôr fim aos seus ataques à Faixa de Gaza.Na quarta-feira (9/7), o governo Donald Trump anunciou que irá impor sanções à relatora.A decisão do Departamento de Estado americano ocorre depois do fracasso de uma recente campanha de pressão, por parte do governo Trump, para que ela fosse destituída do cargo.Em declaração nas Nações Unidas, o governo americano acusou a relatora de “antissemitismo” e de manter “um implacável viés anti-israelita”.Albanese trabalha como investigadora independente, encarregada de investigar os abusos dos direitos humanos nos territórios palestinos, desde maio de 2022.A secretária-geral da organização Anistia Internacional, Agnès Callamard, qualificou o anúncio de sanções contra Albanese como um “ataque descarado”.”Os relatores especiais não são nomeados para agradar os governos nem para serem populares, mas para cumprir com a sua função”, afirmou ela.”A função de Francesca Albanese é defender os direitos humanos e o direito internacional, que são essenciais em um momento no qual está em jogo a própria sobrevivência dos palestinos na Faixa de Gaza ocupada.”As acusações negadas pela PetrobrasO presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, durante a recente cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, que o mundo deve agir para deter o que descreveu como “genocídio” israelense na Faixa de Gaza.”Não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis inocentes e o uso da fome como arma de guerra”, declarou Lula no domingo (6/7).Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O presidente Lula vem reiterando fortes críticas ao governo israelense desde o início da guerra na Faixa de GazaMas, segundo o relatório de Albanese, o presidente não proibiu as exportações de petróleo que, segundo os relatos, abastecem aviões e tanques israelenses com combustível.O Estado brasileiro é sócio majoritário da Petrobras, que é uma das maiores petroleiras do mundo. E a empresa, segundo a relatora especial da ONU, estaria colaborando com o mencionado “genocídio”.O relatório especifica que as gigantes do petróleo BP e Chevron são as empresas que mais contribuem para as importações de petróleo bruto consumido por Israel.”Cada um dos conglomerados forneceu efetivamente 8% do petróleo bruto israelense entre outubro de 2023 e julho de 2024, o que foi complementado com petróleo bruto dos campos petrolíferos brasileiros, dos quais a Petrobras detém a maior participação”, diz o relatório.A Petrobras declarou à BBC que não vendeu “petróleo bruto nem óleo combustível para clientes israelenses durante o período mencionado”.A empresa acrescentou que não é possível concluir que a Petrobras tenha exportado petróleo para Israel pelo simples fato de que a companhia detém grande participação nos campos petrolíferos brasileiros.”A Petrobras não é o único produtor e exportador de petróleo do Brasil”, esclareceu a empresa.A Petrobras também destacou que “respeita e promove os direitos humanos” e trabalha de acordo com “as leis e normas internacionais, particularmente o Pacto Mundial e os Princípios que Regem as Empresas e os Direitos Humanos da ONU”.A controversa exportação de carvão colombiano para IsraelAté meados do ano passado, a Colômbia era o maior fornecedor de carvão para Israel. Sua participação era de mais de 50% do mercado, segundo o American Journal of Transportation.O presidente colombiano, Gustavo Petro, condena publicamente há anos os ataques israelenses ao povo palestino. E, em junho de 2024, ele anunciou que seu país suspenderia as exportações de carvão para Israel.Petro escreveu, na rede social X (antigo Twitter), que as exportações de carvão somente seriam retomadas “quando terminasse o genocídio”.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O presidente colombiano Gustavo Petro anunciou no ano passado que romperia relações com o governo “genocida” de Israel, mas a Colômbia ainda exporta carvão para o paísApesar disso, Petro publicou uma nota especificando que as exportações de carvão da Colômbia seriam retomadas se Israel cumprisse uma ordem do Tribunal Internacional de Justiça, exigindo a retirada das suas tropas da Faixa de Gaza.Mas, segundo o relatório de Francesca Albanese, a Colômbia continuou exportando carvão para Israel através de pelo menos duas empresas multinacionais: a suíça Glencore e a americana Drummond.Um porta-voz da Glencore declarou à BBC que a empresa rejeita “categoricamente todas as acusações” contidas no relatório, que considera “infundadas e sem nenhum fundamento jurídico”.Paralelamente, a Drummond respondeu que, após o decreto de agosto de 2024, que proíbe a exportação de carvão colombiano para Israel, a empresa solicitou ao governo Petro que reconhecesse a existência de um compromisso jurídico que permite as exportações.A Drummond destacou que, após avaliar uma série de documentos, as autoridades competentes emitiram uma autorização para uma situação “juridicamente consolidada”, de acordo com o estabelecido no decreto, que reconhece essas exceções.”Uma vez emitida a autorização correspondente por parte do governo nacional, a empresa procedeu a cumprir com as obrigações contratuais anteriormente estabelecidas”, finaliza o comunicado encaminhado à BBC News Mundo.Aparentemente, esta informação demonstra que a proibição das exportações de carvão da Colômbia para Israel, anunciada por Petro, não foi cumprida.”Ao fornecerem carvão, gás, petróleo e [outros] combustíveis, as empresas contribuem com a infraestrutura civil usada por Israel para consolidar sua anexação permanente e a destruição da vida palestina”, denuncia o relatório apresentado por Albanese.”Esta infraestrutura abastece o exército israelense, durante a destruição de Gaza. […] A natureza aparentemente civil dessa infraestrutura não exime a empresa da sua responsabilidade.”Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, A empresa Orbia, com sede na Cidade de México, é mencionada no relatório como ajudando Israel a explorar os recursos hídricos da Cisjordânia ocupada. Orbia ‘possibilita o expansionismo’ de Israel, diz relatórioA empresa mexicana Orbia Advance Corporation também aparece na lista, através da sua subsidiária Netafim, da qual detém participação de 80%.Segundo o relatório da ONU, a Netafim, líder mundial em tecnologia de irrigação por gotejamento, fornece infraestrutura para explorar os recursos hídricos na Cisjordânia ocupada.A mesma fonte afirma que a empresa projetou sua tecnologia agrícola de acordo com as “necessidades expansionistas” de Israel.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O conglomerado mexicano Orbia Advance Corporation detém 80% de participação na Netafim.”A tecnologia da Netafim permitiu a exploração intensiva da água e da terra na Cisjordânia, esgotando ainda mais os recursos naturais palestinos”, segundo o relatório.”No vale do rio Jordão, os sistemas de irrigação financiados pela Netafim possibilitaram a expansão dos cultivos israelenses, enquanto os agricultores palestinos, privados de água e com 93% das suas terras de sequeiro, se veem deslocados e incapazes de concorrer com a produção israelense.”O relatório também acusa a empresa de aperfeiçoar seus métodos graças à sua colaboração com companhias israelenses que desenvolvem tecnologia militar.A Orbia Advance Corporation não respondeu aos repetidos pedidos de comentários enviados pela BBC News Mundo até a publicação da reportagem.



FONTE