Crédito, ReutersArticle InformationAuthor, Mariana SchreiberRole, Da BBC News Brasil em BrasíliaHá 4 minutosA proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para isentar o Imposto de Renda de pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês e elevar a tributação dos contribuintes ricos, com renda anual a partir de R$ 600 mil, foi aprovada com facilidade na comissão especial da Câmara dos Deputados na quarta-feira (16/7) e pode ser apreciada no plenário da Casa em agosto.O texto aprovado, de autoria do deputado Arthur Lira (PP-AL), fez alterações pontuais na proposta do governo. Uma das mudanças, que passou sem grande destaque, protege produtores rurais de alta renda do aumento de tributação proposto para os mais ricos, afirmam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.Estimativas de economistas obtidas pela reportagem indicam que a mudança, caso aprovada pelo Congresso, evitará que esses fazendeiros paguem algo entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões em imposto no ano.Antes dessa alteração, a previsão do governo era arrecadar R$ 34 bilhões com o aumento de tributos sobre os mais ricos, incluindo um imposto mínimo de até 10% sobre rendas anuais acima de R$ 600 mil e a taxação de dividendos (lucros das empresas distribuídos aos acionistas) enviados ao exterior.A proposta é que esse aumento de receita cubra o corte de impostos sobre quem ganha menos. O projeto de lei (PL) enviado pelo governo previa acabar com a cobrança de IR sobre pessoas com renda mensal de até R$ 5 mil e reduzir a tributação dos que ganham até R$ 7 mil, medida que deve reduzir a arrecadação em quase R$ 26 bilhões, segundo a Receita Federal.Com o Congresso pressionado por uma forte campanha do governo e sua base de apoio por “justiça tributária” nas redes sociais, Lira, relator do PL na Câmara, preservou a essência da proposta, mantendo a isenção até R$ 5 mil e elevando de R$ 7 mil para R$ 7.350 a faixa de renda mensal a ser beneficiada com redução parcial do IR. Essa mudança deve significar uma renúncia fiscal de mais R$ 1 bilhão, segundo estimativa do Sindifisco, sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal.Lira chegou a sugerir uma redução da alíquota do novo imposto mínimo durante os debates na comissão, mas manteve o patamar de até 10% proposto pelo governo para rendas maiores, reconhecendo publicamente que as críticas de que o Congresso estaria protegendo os mais ricos influenciaram em sua decisão.Por outro lado, o relator adotou alguns ajustes na aplicação dessa alíquota que reduzirão a taxação dos mais ricos, beneficiando em especial contribuintes com ganhos elevados de produção rural.A proteção ao agro, setor que conta com forte bancada no Congresso, foi alcançada com a seguinte alteração da proposta: o texto aprovado na comissão passou a excluir “a parcela isenta [da renda] relativa à atividade rural” do valor que será tributado pelo imposto mínimo a ser criado.Ou seja, a alteração evita que parte dos ganhos de produtores rurais que hoje são isentos passem a ser tributados no caso de contribuintes de alta renda, como desejava o governo.Segundo o Sindifisco, os grandes números do Imposto de Renda divulgados em janeiro pela Receita mostram que pessoas com ganhos acima de R$ 600 mil por ano declararam R$ 61,8 bilhões de renda rural isenta em 2022.Excluindo esse montante do valor a ser tributado pelo novo imposto mínimo, o Sindifisco estima que a alteração feita por Lira evitará o pagamento anual de R$ 4,1 bilhões por esse grupo na comparação com a proposta inicial do governo.O presidente do sindicato, Dão Real, criticou esse alívio ao agro, mas disse que o parecer aprovado na comissão surpreendeu positivamente ao manter o imposto mínimo sobre os mais ricos.O Sindifisco defende que a mudança poderia ser ainda maior, com a correção da tabela do IR pela inflação passada, o que aumentaria a redução da cobrança sobre a classe média. O sindicato apresentou ao Congresso uma proposta em que o imposto mínimo sobre os mais ricos teria alíquota maior, de até 15%, o que cobriria a desoneração de rendas menores.O economista Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), também estimou o impacto da mudança. Usando outra metodologia e dados de 2023 da Receita Federal, ele calcula que a proteção ao agro inserida por Lira vai evitar a arrecadação de R$ 3 bilhões.Segundo Gobetti, a mudança beneficia produtores rurais de alta renda que declaram seu imposto como pessoa física. Os maiores produtores do país, porém, costumam operar como empresas e por isso não serão afetados, ressalta.A renda que não será atingida pelo imposto mínimo, segundo o texto aprovado na comissão, é referente à parte do faturamento do produtor pessoa física que não é tributada hoje quando ele opta pela modalidade de lucro presumido.Nesse tipo de declaração, apenas 20% do faturamento é considerado lucro e os outros 80% são presumidos como custo de produção.Como esses produtores não têm que comprovar o que de fato é custo ou lucro, especialistas em tributação dizem que, na prática, deixam de pagar Imposto de Renda sobre parte dos seus ganhos, já que, em muitos casos, o valor gasto na produção é inferior a esses 80%.Pela proposta do governo, essa renda isenta passaria a ser tributada pelo imposto mínimo, no caso dos produtores com ganhos a partir de R$ 600 mil anuais.Segundo Gobetti, há ainda outra alteração feita por Lira que vai reduzir a taxação efetiva dos mais ricos. Embora seu texto tenha mantido o imposto mínimo sobre ganhos acima de R$ 600 mil ao ano, ele aumentou os tipos de renda que podem ser excluídas da base de cálculo desse tributo.Ou seja, com isso, menos declarantes serão enquadrados na renda a ser taxada pelo imposto mínimo, mesmo que ganhem mais de R$ 600 mil.E, como esse imposto mínimo tem uma alíquota progressiva, que sobe de 0% (rendas acima de R$ 600 mil) até 10% (rendas acima de R$ 1,2 milhão), isso significa que a redução das rendas consideradas na base de cálculo vai resultar na aplicação de alíquotas menores sobre esses contribuintes.Sua estimativa é que essa mudança reduzirá a arrecadação dos mais ricos em mais R$ 1 bilhão.Segundo Gobetti, a justificativa apresenta por Lira para essa mudança foi simplificar a proposta, já que o PL enviado pelo governo previa uma base de cálculo para determinar a renda que colocaria o contribuinte no imposto mínimo, e outra base de cálculo, menor que a primeira, para a estimar quanto dessa renda seria de fato tributada.Ao igualar as duas bases houve esse efeito de reduzir o cálculo da renda para entrada no imposto mínimo.A Receita Federal ainda está fazendo seu próprio cálculo sobre os impactos do parecer de Lira nas previsões de perdas e ganhos de arrecadação com a mudança do IR. Apesar das alterações, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, celebrou o parecer de Lira.”Eu gostei. Acho que foi muito bom. Acho que vai ser muito bem recebido e cumpre os objetivos da reforma da renda”, disse, horas antes da aprovação da proposta.Segundo declaração recente de Haddad, a alíquota efetiva média do IR de quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano no Brasil é de 2,5%.A alíquota efetiva é o percentual da renda total que de fato foi consumida pelo IR. No caso dos milionários, essa taxa costuma ser menor do que a de trabalhadores de classe média, justamente porque parte relevante de sua renda é isenta.Caso o imposto mínimo entre em vigor, uma pessoa com renda acima de R$ 1,2 milhão que tenha uma alíquota efetiva de 2,5%, por exemplo, teria que pagar mais 7,5% de imposto para completar a alíquota mínima de 10%.Crédito, ReutersLegenda da foto, Produtores que declaram como pessoa física têm parte da renda isenta’Lobby do agro explica privilégio’, diz tributaristaA BBC News Brasil questionou a Frente Parlamentar da Agropecuária sobre as críticas ao favorecimento de produtores rurais ricos no parecer de Lira, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.Também perguntou ao deputado Arthur Lira, por meio de sua assessoria, sobre as razões que o levaram a proteger a parcela isenta das rendas rurais do imposto mínimo a ser criado, mas não obteve resposta.Em seu parecer, a única referência ao tema é atribuída ao advogado Leonardo Aguirra de Andrade, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, que foi ouvido na comissão especial a pedido da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).Segundo o relatório, Andrade sugeriu alterar a proposta do governo para dar mais clareza ao que seriam as rendas a serem tributadas pelo imposto mínimo, “a fim de dar um tratamento claro, por exemplo, para apuração do IR pelo produtor rural”.Procurado pela BBC News Brasil, Andrade confirmou que fez essa sugestão, mas disse que seu objetivo com essa alteração não era retirar as rendas isentas do imposto mínimo. Segundo ele, a intenção era a oposta: deixar mais claro que essa renda deveria ser taxada.O professor diz que a regra que permite ao produtor pagar imposto sobre 20% do faturamento quando declara como pessoa física “é um tratamento privilegiado para o setor” que o “lobby do agro conseguiu emplacar em uma lei de 1990″.Ele lembra que empresas também podem optar pelo sistema de lucro presumido, mas, no caso delas, isso só é possível para faturamento de até R$ 78 milhões. No caso dos produtores rurais, não há limite.”Já vi casos de produtores que declaram como pessoa física com faturamento de R$ 2 bilhões, R$ 3 bilhões”, exemplifica.”Eu acho que o projeto [aprovado na comissão] é tímido nesse sentido de capturar rendas não tributadas. Ali, tem uma renda enorme [que continuará isenta]. Várias vezes que se pretendeu discutir esse assunto, a força do agro prevaleceu para manter”, continuou.Como as rendas isentas reduzem IR dos ricosDados da Receita Federal mostram que pessoas de alta renda no país pagam hoje, proporcionalmente, menos IR que a classe média porque boa parte dos seus ganhos são isentos de tributação.Um estudo de 2023 do Sindifisco mostrou que contribuintes que declararam em 2021 ganhos acima de R$ 2,1 milhões no ano (R$ 176 mil por mês) pagaram, em média, uma alíquota efetiva de Imposto de Renda de menos de 5,5%.É uma taxa menor, por exemplo, do que pagaram professores de ensino fundamental (8,1%), enfermeiros (8,8%), bancários (8,6%) ou assistentes sociais (8,8%) — profissionais que, na média, declararam rendimentos totais (soma dos salários e outros rendimentos) abaixo de R$ 94 mil naquele ano (menos de R$ 8 mil ao mês).Segundo o Sindifisco, o principal motivo de os mais ricos terem uma alíquota efetiva menor é que uma parcela relevante de sua renda vem de rendas isentas, principalmente o recebimento de lucros e dividendos das suas empresas — renda que deixou de ser tributada no Brasil em 1996, na contramão da prática mundial.No início do governo, a ideia do Ministério da Fazenda era fazer uma ampla reforma do Imposto de Renda para mudar isso. Mas, diante das dificuldades em aprovar uma reforma que mexeria com muitos interesses, a gestão Lula optou pelo imposto mínimo, como forma de taxar parte das rendas isentas das pessoas mais ricas.A proposta é que esse novo imposto terá uma alíquota progressiva, partindo de 0%, que começa a ser cobrada a partir de rendas de R$ 600 mil, e sobe até 10% para rendas a partir de R$ 1,2 milhão.Como se trata de um imposto mínimo, as pessoas tributadas não pagarão a alíquota cheia desse imposto, mas apenas a diferença entre a sua alíquota efetiva e a nova taxa.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Trabalhador de renda média paga, proporcionalmente, mais IR que miliomários, mostram dados da ReceitaO recuo de Lira após críticas sobre suposta proteção a super ricosAo apresentar seu relatório, Lira disse que buscou a “neutralidade tributária”, ou seja, que não houvesse ganhos ou perdas de arrecadação.A proposta original do governo estimava uma renúncia fiscal de R$ 25,84 bilhões em 2026, com a isenção do IR até R$ 5 mil e a redução do imposto para rendas até R$ 7 mil.Por outro lado, previa uma arrecadação maior que as perdas, de R$ 34,12 bilhões, com a criação do imposto mínimo e com a taxação de dividendos remetidos ao exterior (para igualar com a tributação a ser aplicada aos dividendos distribuídos no Brasil).Segundo o Ministério da Fazenda, isso beneficiaria 14 milhões de pessoas e arrecadaria mais de apenas 141 mil.Como o governo previa excesso de arrecadação, Lira chegou a propor reduzir o imposto mínimo para os mais ricos, mas recuou e sugeriu ampliar a redução do IR para rendas até R$ 7.350.”Quando a gente buscou a baixa da alíquota, esta Casa e este relator foram alvo de críticas dizendo que a gente estava protegendo os super ricos. E aí nós invertemos, nós passamos para a base da pirâmide, elevando [a proposta de redução do IR] de R$ 7 mil para R$ 7.350″, disse, antes de a comissão aprovar seu parecer.Além disso, o relator estabeleceu que a arrecadação extra também será direcionada a compensar perdas de Estados e municípios com o aumento da isenção do IR, já que o imposto pago por servidores estaduais e municipais fica retido com os governos locais.E, se ainda houver excesso de arrecadação, Lira estabeleceu que isso seja usado para reduzir a alíquota do CBS, novo imposto sobre consumo criado pela reforma tributária de 2023 e que ainda está em implementação.A redução desse imposto beneficia, principalmente, os mais pobres, que comprometem grande parte de sua renda com consumo de bens e serviços.
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