O fotógrafo Marcelo José da Silva Figueiredo, de 45 anos, conhecido como Tchélo Figueiredo, foi acusado de violência física e psicológica por uma ex-namorada, em Cuiabá. O boletim de ocorrência foi registrado no dia 16 de julho deste ano.
A mulher, que pediu para ter a identidade preservada, representou criminalmente e conseguiu uma medida protetiva contra ele.
Sentei no chão meio que em posição fetal. Ele dava murro na parede perto da minha cabeça, acertava o meu queixo, acertava o meu ombro. Eu falei: ‘Agora eu morri’
Após o registro do B.O., outros supostos casos semelhantes também vieram à tona. A reportagem ouviu os relatos de quatro mulheres que se dizem vítimas, uma há mais de 15 anos.
Procurado pelo MidiaNews, Tchélo negou ter cometido os crimes e classificou as declarações como “mentirosas”, reservando-se ao direito de se “defender nos procedimentos investigativos” por meio de sua “defesa técnica”.
O caso é investigado em segredo de Justiça. “Não era nem pra estar na mídia”, disse.
“Tô sendo vítima de uma grande calúnia pra me prejudicar profissionalmente, com consequências de abalo familiar, trazendo grandes danos pro meu filho e minha mãe já idosa, de 82 anos”, afirmou.
No B.O. registrado pela suposta vítima, o caso foi registrado como injúria, ameaça, lesão corporal e dano emocional. Ela citou “ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização”, entre outros.
A Polícia Civil foi procurada e confirmou o registro do boletim, “em que a vítima afirma ter sofrido violência física, verbal e psicológica e ser manipulada durante seu relacionamento com o ex-namorado”, diz trecho da nota.
A mulher afirmou no registro que o fotógrafo era muito ciumento e que os filhos dela presenciaram atos de violência. “Uma vez, o filho da vítima tentou intervir, enquanto o suspeito gritava e xingava a vítima, que o suspeito já agrediu ela com socos, tapas e empurrões”, diz trecho do B.O.
Além das violências física e psicológica, a mulher alega ter sido afastada de amigos e familiares e já ter sido ameaçada até mesmo de morte.
Segundo a Polícia Civil, o caso está sendo investigado pela Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Cuiabá e, até o momento, não foram localizados outros boletins de ocorrência contra o suspeito.
Há, no entanto, um boletim de ocorrência contra o fotógrafo de maio de 2012. O processo teve baixa em 2017, sem que a vítima fosse comunicada.
Dormindo com o inimigo
Procurada pelo MidiaNews, a vítima que registrou o boletim de ocorrência mais recente afirmou que o namoro teve início em maio de 2023. E o que começou como uma relação tranquila, de parceria no amor e no trabalho, logo se complicou.
“Primeiro era uma crítica ao meu corpo, à minha aparência, uma grosseria, depreciações ao meu modo de ser. E depois eu comecei a perceber que ele mudava de personalidade quando bebia.”
Hoje eu me sinto bem, consigo falar sobre isso, mas agora preciso que Justiça seja feita. Se ele for preso hoje, e eu morrer amanhã, morro feliz
Notando que o tratamento havia mudado, ela colocou fim à relação no início de 2024. Até aquele momento, segundo o relato, não havia tido nenhum tipo de agressão física. Tempo depois, os dois reataram.
“Nesse momento as coisas ficaram sérias. Começou a ficar paranoico, me infernizava pra parar de falar com algumas pessoas, a ponto de pegar meu celular, ofender e bloquear uma amiga. Toda vez que saíamos, se eu olhasse pro lado ele encanava que eu tinha algo com alguém”, afirmou.
“Comecei a entrar em modo de sobrevivência, ter crises de ansiedade e pânico. Comecei a me sentir deprimida, sem vontade de sair. Minha capacidade criativa diminuiu. Comecei a ter bruxismo, cheguei a quebrar um dente”, completou.
Foi durante uma dessas “crises” de ciúmes, em um estabelecimento comercial, que ela disse ter sofrido a primeira agressão física. “Ele segurou no meu braço e virou meu pulso pra mexer no meu celular. Depois, [por ciúmes de um ex] começou a surtar. Ele tomou meu celular e minha carteira, e quando eu tentei pegar era tapa… Era murro…”.
Segundo a suposta vítima, havia uma apresentação no estabelecimento e, além da hora avançada e do consumo de álcool, as pessoas presentes estavam viradas para o palco.
“Ninguém viu nada. Tinha uma paredinha em ‘L’ e eu fiquei com vergonha e me escondi ali. Sentei no chão meio que em posição fetal. Ele dava murro na parede perto da minha cabeça, acertava o meu queixo, acertava o meu ombro. Eu falei: ‘Agora eu morri’. Só pensava nos meus filhos”.
Mesmo após o fim da relação, ela diz não ter conseguido voltar à rotina de antes, ter mudado suas rotas e evitado até mesmo sair de casa.
“Eu não sou a mesma, nunca mais vou ser. Esse relacionamento tirou a minha fé nas pessoas, me endureceu. Deixou marcas que sei que serão pra sempre. Em um primeiro momento eu me sentia culpada, por isso a gente demora pra denunciar. A sociedade julga: ‘Ah, mas também ela ficou’”.
Novos relatos
A reportagem ouviu outras três mulheres que dizem ter se relacionado com o fotógrafo e sido vítimas dele. Os casos ocorreram ao longo de mais de 15 anos, sendo que duas dessas vítimas optaram, à época, por não denunciar os casos à Polícia.
Tchélo foi descrito como um homem que se apresenta como alguém divertido, desconstruído, que defende pautas feministas e que só agiria com violência depois de estabelecer algum tipo de vínculo com as vítimas. Nos casos em questão, esse vínculo é o namoro.
Assim como no caso citado acima, as vítimas relataram situações em que suas autoestimas eram minadas e elas eram “afastadas” de familiares e amigos próximos.
Algo está sendo feito, pelo menos pela mídia, porque eu não acredito muito na Justiça. Assassinato em série tem previsão legal, mas e agressão em série, tem?
“Ele bebe e começa a inventar que você está dando papinho pra alguém. Te xinga de puta, de vagabunda, diz que vai ter um filho de cada pai. Que você é feia, que você é gorda. Esse tipo de violência psicológica. Inclusive, cheguei ao ponto de me achar burra, incompetente”, disse uma das supostas vítimas.
Segundo ela, a primeira agressão foi um tapa no rosto em um evento, e a segunda resultou em um boletim de ocorrência em maio de 2012.
“Ele me chamou para a casa dele e, quando eu cheguei, já estava bêbado, perguntou onde que eu estava, por que que eu tinha demorado pra chegar e grudou no meu cabelo, a ponto de eu sentir descolar o couro cabeludo. Consegui me afastar, mas ele me puxou de novo e bateu minha cara na grade e, na sequência, deu um soco na minha costela”, disse.
Tchélo só teria parado as agressões após, segundo a suposta vítima, também agredir a própria mãe.
Outro relato que se repete entre as supostas vítimas são as grandes demonstrações de afeto após algum episódio de violência.
“Ficamos separados por dois meses, mandou buquês de flores, fez declarações em rede social. Refém daquele ciclo, voltei e daí pra frente, só piorou”.
Entre outras agressões relatadas pela suposta vítima estão cuspir na cara e até esmagar uma lata de cerveja no rosto. “Ele entrou no carro comigo e esmagou uma lata de cerveja no meu rosto. Cortou toda a minha gengiva, cortou o meu couro cabeludo”.
“E depois disso [registro de B.O.], silêncio. Só teve uma audiência no Fórum, que não deu em nada. Eu nem sei se ele respondeu o processo. Mas ficou por isso. Precisou desses mais de 10 anos para a cabeça da sociedade mudar. Hoje a gente pode falar de violência contra a mulher com força e abertura. Naquela época não tinha isso, eu fui silenciada. Eu só quero que a Justiça seja feita. Tardia, mas uma hora ela chega”, disse.
“Hoje eu me sinto bem, consigo falar sobre isso, mas agora preciso que Justiça seja feita. Se ele for preso hoje, e eu morrer amanhã, morro feliz”, disse.
Depois que o caso veio à tona na imprensa, apenas uma das supostas vítimas disse que pretende também registrar um boletim de ocorrência. As outras duas afirmaram estar dispostas a depor e contar suas histórias na atual investigação contra o fotógrafo.
“Finalmente as pessoas que ouviram de mim e não acreditaram vieram me pedir desculpa. Algo está sendo feito, pelo menos pela mídia, porque eu não acredito muito na Justiça. Assassinato em série tem previsão legal, mas e agressão em série, tem?”, questinou uma das supostas vítimas.
“Depois que eu terminei ouvi de muitos jornalistas coisas que eu não sabia sobre ele. A ficha caiu: ‘Estou com um agressor e eu poderia ter morrido’. Eu tive muita sorte. Me assusta, se eu continuasse mais tempo com ele eu poderia ter virado estatística”, disse outra suposta vítima.