A investigação sobre o brutal assassinato do advogado Renato Nery, ocorrido em julho do ano passado em Cuiabá, revela detalhes chocantes que apontam para uma sofisticada tentativa de acobertar o esquema financeiro do crime. O policial militar Jackson Pereira Barbosa, de Primavera do Leste, que se encontra preso desde abril e é réu pelo envolvimento no homicídio, teria colocado uma caminhonete Toyota Hilux à venda como manobra para repassar valores aos supostos mandantes. A informação consta na denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) contra o PM.
A peça acusatória detalha que o casal de empresários Julinere Goulart Bentos e César Jorge Sechi, também detidos desde 9 de maio, teria encomendado a morte de Nery. A motivação seria uma disputa judicial de terras no Município de Novo São Joaquim, avaliadas em mais de R$ 30 milhões. O terreno, alvo da controvérsia, havia sido recebido pelo advogado como pagamento por honorários de uma ação que durou mais de três décadas. O estopim para o crime teria sido a vitória de Nery em uma ação que bloqueou o arrendamento de mais de R$ 2 milhões da propriedade meses antes de seu assassinato.
A manobra da Hilux, descrita na denúncia, mostra um esforço para disfarçar a origem do dinheiro. “Jackson demonstrou conhecimento prévio da necessidade de justificar movimentações financeiras suspeitas, inclusive colocando uma Hilux à venda na garagem de um amigo ‘como se fosse pra vender e na hora que vendesse era pra mandar o dinheiro direto’ aos mandantes”, afirma o documento, baseado no interrogatório de Heron Teixeira Pena Vieira.
Articulador e executor
Heron Teixeira Pena Vieira, também policial militar, é apontado como o articulador do homicídio, tendo sido contratado por Jackson. Ele seria o responsável por “alugar” o serviço de Alex Roberto de Queiroz Silva, seu ex-caseiro, identificado como o autor dos disparos. Alex, inclusive, teria se escondido na chácara de Heron, no bairro Capão Grande, em Várzea Grande, durante o planejamento e após o crime.
Jackson não se limitou à intermediação financeira. A investigação aponta que ele “foi responsável por repassar informações cruciais para a execução do crime, incluindo o endereço exato do escritório da vítima”. Durante encontros em Primavera do Leste, o PM coordenou detalhes da operação criminosa, utilizando veículos de luxo, como uma Toyota Hilux SW4 branca e um Mercedes-Benz, para os deslocamentos.
Ainda segundo a apuração, Jackson teria sido o encarregado de realizar o pagamento aos executores, em um valor combinado de R$ 200 mil. No entanto, o valor total não foi quitado, o que teria gerado insatisfação entre os envolvidos e, consequentemente, a confissão de Heron em depoimento aos investigadores dias antes da prisão dos supostos mandantes.
Múltiplos Indiciamentos e Reviravoltas
A complexidade do caso se reflete nos múltiplos indiciamentos. Inicialmente, policiais militares da Rotam – Leandro Cardoso, Wailson Alessandro Medeiros Ramos, Wekcerlley Benevides de Oliveira e Jorge Rodrigo Martins – foram indiciados em 30 de abril por forjarem um confronto para plantar a arma utilizada no assassinato de Nery. Eles respondem por homicídio qualificado, duas tentativas de homicídio, fraude processual e porte ilegal de arma de fogo.
Em 1º de maio, Heron Vieira e Alex Roberto de Queiroz Silva foram indiciados por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, paga ou promessa de recompensa e recurso que impossibilitou a defesa da vítima). Mais tarde, em 23 de junho, Jackson Barbosa e Ícaro Nathan Santos Ferreira também foram indiciados por homicídio triplamente qualificado (promessa de recompensa, perigo comum e recurso que impossibilitou a defesa da vítima).
A investigação foi concluída com o indiciamento do casal César e Julinere, em 11 de julho, por homicídio qualificado (motivo torpe, promessa de recompensa, perigo comum e recurso que impossibilitou a defesa da vítima), solidificando a tese de mandantes do crime.
Renato Nery, ex-presidente da OAB-MT, foi baleado na cabeça em 5 de julho de 2024 ao chegar em seu escritório, na Avenida Fernando Corrêa, em Cuiabá. Socorrido com vida, ele não resistiu aos ferimentos e faleceu no dia seguinte, deixando um rastro de investigações que expõem uma intrincada rede de interesses e traições.
*Com informações do MidiaNews