Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio: criminosos com fuzis atravessados no peito vigiam a entrada da comunidade. Numa rua de Botafogo, imagens de cأ¢meras mostram o momento em que assaltantes, numa madrugada de domingo, usam o mesmo tipo de arma para tentar roubar o carro de um morador. Bandidos sأ£o flagrados testando essas “mأ،quinas mortأferas†num verdadeiro centro de treinamento do trأ،fico do Complexo da Marأ©, onde o arsenal tambأ©m أ© exibido em bailes funk. Os estampidos que rompem o silأھncio da Serra da Grota Funda sأ£o de tiros que assassinaram um agente da elite das forأ§as de seguranأ§a. Para enfrentar o poder bأ©lico do crime, em quase qualquer rua أ© possأvel cruzar com carros da polأcia com o bico de fuzil para fora da janela — e poucos se abalam com a cena, jأ، banalizada. Contragolpe sangrento: Apأ³s se alastrar por 21 estados, Comando Vermelho trava guerra expansionista no Rio e jأ، tomou 19 comunidades da milأciaVinأcius Drumond: Bicheiro que escapou de atentado faz parte da ‘Santأssima Trindade’, nova cأ؛pula do bicho; entenda Faz quase cinco dأ©cadas que essas armas de uso militar e sأmbolo de guerra se tornaram parte da paisagem do Rio. Enquanto em outros paأses e alguns estados brasileiros o fuzil أ© raramente empregado, no territأ³rio fluminense mata, mutila e destrأ³i famأlias. Circula livremente em أ،reas sob domأnio do crime e أ© utilizado atأ© para assaltar pedestres. Virou a garantia para controlar comunidades inteiras, impor o terror e subjugar pessoas, como mostra a primeira reportagem da sأ©rie “O gatilho da violأھnciaâ€. Colأ´mbia, Mأ©xico e Rio Apesar desse cotidiano, o uso do armamento por organizaأ§أµes criminosas em ambiente urbano أ© considerado uma excepcionalidade. — No mundo, o emprego dessa arma ocorre em aأ§أµes muito especأficas, como atentados terroristas ou no novo cangaأ§o (ataques a agأھncias bancأ،rias no interior do Brasil). Nأ£o أ© uma arma normalmente empregada para domأnio territorial. Isso, que saibamos, sأ³ ocorre no Mأ©xico, na Colأ´mbia e no Rio — afirma o delegado Vinicius Domingos, da Coordenadoria de Fiscalizaأ§أ£o de Armas e Explosivos (CFAE) da Polأcia Civil fluminense. — Aqui, a possibilidade de controle de territأ³rio أ© sustentada pelo fuzil, sem o qual as quadrilhas nأ£o tأھm como exercer sua forأ§a e explorar uma gama de crimes. Sem essa arma, nأ£o haveria os confrontos da forma como conhecemos. Nأ£o existiriam tiroteios entre bandidos e policiais que duram 50 minutos, impactam a vida da populaأ§أ£o e resultam em balas perdidas. 100 anos do GLOBO: Flagrantes de fuzis e traficantes no Rio 1 de 36
Traficante do Morro Chapأ©u Mangueira foge durante operaأ§أ£o do Bope na comunidade. (Foto tirada em 05/06/2018, no Rio de Janeiro) Marcelo Carnaval/ Agأھncia O Globo 2 de 36
Operaأ§أ£o da DHBF na Favela Vila Ideal em Duque de Caxias apreende drogas, um fuzil e uma metralhadora ponto 30. (Foto tirada em 20/08/2010 , no Rio de Janeiro ) — Foto: Gustavo Azevedo / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 3 de 36
Crianأ§as brincam enquanto traficantes, um deles com fuzil lanأ§a-granada, montam guarda no alto do Morro Dona Marta, em Botafogo (Foto tirada em, 09/08/1994 no Rio de Janeiro) — Foto: Chiquito Chaves / Agأھncia O Globo 4 de 36
Mulheres envolvidas com trأ،fico. MV Bill e Celso Athaأde lanأ§arأ£o livro “Falcأµes, mulheres do trأ،fico” nos presأdios. (Foto tirada em 26/10/2007, no Rio de Janeiro) — Foto: Marcelo Carnaval/ Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 5 de 36
Policiais da 27آ° DP (Vicente de Carvalho) apreendem fuzil, muniأ§أ£o, drogas e artigos eletrأ´nicos na favela Para-Pedro em Irajأ،. (Foto tirada 10/04/2006, no Rio de Janeiro ) — Foto: Marcelo Franco / Agأھncia O Globo 6 de 36
Traficantes armados no Morro da Mineira vigiam a movimentaأ§أ£o na cidade (Foto tirada em 03/10/2007, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 7 de 36
Afronta, traficante com fuzil perto da UPP de Cidade de Deus. (Foto tirada em 02/02/2017, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia o Globo 8 de 36
Traficantes armados no morro da Mineira em plena luz do dia, por volta das 16h40 do dia 13/10/2002, no Rio de Janeiro) — Foto: Acervo O Globo Pular X de 36 Publicidade 9 de 36
Traficante do Morro Chapأ©u Mangueira foge durante operaأ§أ£o do Bope na comunidade. (Foto tirada em 05/06/2018, no Rio de Janeiro) — Foto: Marcelo Carnaval/ Agأھncia O Globo 10 de 36
A candidata do PSOL senadora Heloأsa Helena faz campanha no Complexo da Marأ©. Durante a carreata no Conjunto Esperanأ§a, a candidata passou por traficantes armados. (Foto tirada em 27/09/2006, no Rio de Janeiro) — Foto: Mأ،rcia Foletto/ Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 11 de 36
A Polأcia Militar realiza incursأ£o na Vila Cruzeiro, prendendo traficantes e armamento, entre elas uma ponto 30. (Foto tirada em 15.04.2008, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia o Globo 12 de 36
Pontos usados por traficantes no Morro da Coroa (Foto tirada em 24/06/2009, no Rio de Janeiro) — Foto: Pablo Jacob/ Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 13 de 36
Imagem feita no Morro Jorge Turco mostra traficantes armados de fuzil no Morro Jorge Turco, em Coelho Neto — Foto: Acervo O Globo 14 de 36
Bandido ostenta dois fuzis na Pedreira, em Costa Barros — Foto: Acervo O Globo Pular X de 36 Publicidade 15 de 36
Operaأ§أ£o policial com a Forأ§a Nacional no Complexo do Alemأ£o, entrada da favela da Fazendinha. Traficantes armados na Rua Antأ´nio Austragأ©silo (Foto tirada em 14/06/2007, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia O Globo 16 de 36
Operaأ§أ£o da Core no Morro do Alemأ£o. Policiais apreendem um fuzil, muniأ§أ£o fardas do Exأ©rcito e rأ،dios comunicadores, alأ©m de matarem o traficante Tigrأ£o em troca de tiro. (Foto tirada em 16.09.2004, no Rio de Janeiro) — Foto: Luis Alvarenga / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 17 de 36
Afronta, traficante com fuzil perto da UPP de Cidade de Deus. (Foto tirada em 02/02/2017, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia o Globo 18 de 36
Policiais do RPMont apreendem fuzil AR15 apأ³s troca de tiros com bandidos da Favela do Barbante. (Foto tirada em 14/02/2005, no Rio de Janeiro) — Foto: Marcelo Franco / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 19 de 36
O traficante Mata Rindo morre em confronto com PMs. (Foto tirada em 13/04/2008, no Rio de Janeiro) — Foto: Guilherme Pinto / Agأھncia O Globo 20 de 36
Policiais da 21آھ DP (Bonsucesso) apreenderam uma metralhadora antiaأ©rea, muniأ§أ£o, uma farda do Bope, um fuzil e prende o traficante Tavito Diniz de Queiroz na favela do Ararأ،. (Foto tirada em 18/09/2009, no Rio de Janeiro) — Foto: Pablo Jacob / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 21 de 36
Operaأ§أ£o da Core no Morro do Alemأ£o. Policiais apreendem um fuzil,muniأ§أ£o fardas do exأ©rcito e rأ،dios comunicadores alأ©m de matarem o traficante Tigrأ£o em troca de tiro. (Foto tirada em 16.09.2004, no Rio de Janeiro) — Foto: Luis Alvarenga / Agأھncia O Globo 22 de 36
Pontos usados por traficantes no morro da Coroa (Foto tirada em 24/06/2009, no Rio de Janeiro) — Foto: Pablo Jacob/ Agencia O Globo Pular X de 36 Publicidade 23 de 36
Policiais do RPmont apreendem fuzil AR15 apأ³s troca de tiros com bandidos da Favela do Barbante. (Foto tirada em 14.02.2005, no Rio de Janeiro) — Foto: Marcelo Franco / Agأھncia O Globo 24 de 36
Operaأ§أ£o policial com a Forأ§a Nacional no Complexo do Alemأ£o, entrada da favela da Fazendinha. Traficantes armados na Rua Antأ´nio Austragأ©silo (Foto tirada em 14/06/2007, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 25 de 36
Operaأ§أ£o da Core no Morro do Alemأ£o. Policiais apreendem um fuzil,muniأ§أ£o fardas do exأ©rcito e rأ،dios comunicadores alأ©m de matarem o traficante Tigrأ£o em troca de tiro. (Foto tirada em 16.09.2004, no Rio de Janeiro) — Foto: Luis Alvarenga / Agأھncia O Globo 26 de 36
Mangueira em Guerra. Tiroteio entre polأcia militar e traficante deixa Mأ£e e filha mortas na comunidade. (Foto tirada em 30/06/2017, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 27 de 36
Traficante armado durante ocupaأ§أ£o do Exأ©rcito na Favela da Rocinha (Foto tirada em 14/03/2006, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia o Globo 28 de 36
Trأ،fico no Morro da Mineira (Foto de 30/09/2002, no Rio de Janeiro) — Foto: Andrأ© Correa / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 29 de 36
Policiais do RPMont apreendem fuzil AR15 apأ³s troca de tiros com bandidos da Favela do Barbante. (Foto de 14/02/2005, no Rio de Janeiro) — Foto: Marcelo Franco / Agأھncia O Globo 30 de 36
Policiais do RPMont apreendem fuzil AR15 apأ³s troca de tiros com bandidos da Favela do Barbante. (Foto de 14/02/2005, no Rio de Janeiro) — Foto: Marcelo Franco / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 31 de 36
Policiais da 27آ° DP, Vicente de Carvalho apreendem fuzil, muniأ§أ£o, drogas e artigos eletrأ´nicos na Favela Para-Pedro, em Irajأ،. (Foto tirada 10.04.2006, no Rio de Janeiro ) — Foto: Marcelo Franco / Agأھncia O Globo 32 de 36
Operaأ§أ£o da Core no Morro do Alemأ£o. Policiais apreendem um fuzil,muniأ§أ£o fardas do exأ©rcito e rأ،dios comunicadores alأ©m de matarem o traficante Tigrأ£o em troca de tiro. (Foto tirada em 16.09.2004, no Rio de Janeiro) — Foto: Luis Alvarenga / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 33 de 36
Operaأ§أ£o policial com a Forأ§a Nacional no Complexo do Alemأ£o , entrada da favela da Fazendinha – Traficantes armados na Rua Antأ´nio Austragأ©silo (Foto tirada em 14/06/2007, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia O Globo 34 de 36
Trأ،fico no Morro da Mineira (Foto tirada em 30.09.2002, no Rio de Janeiro) — Foto: Andre Correa / Agأھncia O Globo Pular X de 36 Publicidade 35 de 36
Mangueira em Guerra: tiroteio entre polأcia militar e traficante deixa Mأ£e e filha mortas na comunidade. (Foto tirada em 30/06/2017, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia O Globo 36 de 36
Ocupaأ§أ£o do Exأ©rcito na Rocinha: traficante armado (Foto tirada em 14/03/2006, no Rio de Janeiro) — Foto: Domingos Peixoto / Agأھncia o Globo Pular X de 36 Publicidade Registros feitos por fotأ³grafos da Agأھncia O Globo ao longo da histأ³ria Sociedade: Narcocultura, violأھncia arraigada no cotidiano e o vأ،cuo do Estado nas favelas: debates que voltam أ cena apأ³s o caso do MC Poze O nأ؛mero de apreensأµes dأ، uma dimensأ£o de um Rio sempre no alvo. O estado concentra 37,39% do total de fuzis retirados das mأ£os de bandidos no Brasil em 2024. Foram 732, contra 570 de Sأ£o Paulo (segundo colocado no ranking) no mesmo perأodo. Quando se analisa o perأodo entre 2015 e 2024, disponأvel nos banco de dados do Ministأ©rio da Justiأ§a, os dados sأ£o ainda mais alarmantes. Em dez anos, foram 4.714 fuzis apreendidos, uma fatia correspondente a 43,07% do total nacional. Isso significa que, a cada dez fuzis encontrados pelas polأcias em todo paأs, quatro foram no Rio. A sأ©rie histأ³rica do Instituto de Seguranأ§a Pأ؛blica (ISP) أ© mais longa. E revela que, de 2007 atأ© o fim de 2024, jأ، foram apreendidos 6.619 fuzis no estado. As armas poderiam equipar de sete a nove tropas do Grupo Tأ،tico de Batalhأ£o (BTG) do Exأ©rcito russo, que atua no conflito na Ucrأ¢nia. O delegado Vinicius Domingos destaca que, alأ©m das armas, os criminosos tأھm se apropriado de tأ،ticas de combate para impedir a entrada da polأcia nas comunidades, utilizando barricadas, blindados, seteiras e disparando muniأ§أ£o indiscriminadamente: — Vivemos conflitos urbanos inimaginأ،veis. Se acontece em qualquer paأs, parariam tudo. Mas aqui, convivemos com algo anormal e tratamos como se fosse rotina. Delegado mostra alguns dos modelos apreendidos com os bandidos no Rio — Foto: Domingos Peixoto Dos roubos a agأھncias bancأ،rias ao trأ،fico de cocaأna Essa أ© uma histأ³ria que comeأ§a a ser construأda no fim da dأ©cada de 1970 e inأcio dos anos 1980, quando houve os primeiros relatos do uso de fuzis por criminosos. Inicialmente, eram casos isolados e tinham como origem o desvio ou o roubo de armas das Forأ§as Armadas. Em 26 de setembro de 1980, um grupo assaltou um banco em Bonsucesso com um Fuzil Automأ،tico Leve (FAL). A surpresa de um inspetor da Polأcia Civil revelava como aquilo era uma novidade. “Temos informaأ§أµes de que eles usavam um fuzil automأ،tico FAL, arma privativa das Forأ§as Armadas. Isso mostra que os assaltantes nأ£o sأ£o criminosos comunsâ€, pontuou, numa أ©poca em que a polأcia sequer cogitava usar esse armamento. Arsenal importado: menos de 6% dos 638 fuzis apreendidos no Rio em 2024 foram fabricados no Brasil O primeiro fuzil Colt AR-15 — de fabricaأ§أ£o americana, muito usado na Guerra do Vietnأ£ — apreendido no Rio motivou o entأ£o governador Moreira Franco, em 24 de novembro de 1989, a convocar toda a imprensa ao Palأ،cio Guanabara. “أ‰ absolutamente intolerأ،vel que essas armas entrem no Brasil contrabandeadas tranquilamenteâ€, disse sobre o AR-15 encontrado na Favela de Acari. O coronel Emir Laranjeiras era comandante do 9آ؛ BPM na أ©poca, responsأ،vel pela operaأ§أ£o que tirou a arma das ruas. — Quando levamos para o quartel, confesso que eu nem sabia o que era aquilo. Falei o quanto era absurdo continuar a entrar esse tipo de armamento nas favelas pelas mأ£os das facأ§أµes. O alerta era que, como nأ³s nأ£o tأnhamos acesso a esse tipo de arma, se a situaأ§أ£o continuasse daquele jeito, muitos policiais morreriam — relembra o oficial. Moreira Franco observa fuzil Colt AR-15 apreendido com traficantes, em 1989 — Foto: Manoel Soares/Agأھncia O GLOBO A previsأ£o viraria realidade. Os anos 1980 coincidiam com a ascensأ£o do Comando Vermelho. Um dos episأ³dios que chocaram a opiniأ£o pأ؛blica e colocaram o fuzil no centro do debate aconteceu na Rocinha, em 1988. Ednaldo de Souza, o Naldo, chefe do trأ،fico na comunidade, foi filmado com um fuzil Heckler & Koch, roubado da Aeronأ،utica, disparando rajadas para o alto. Exibiأ§أ£o de forأ§a. O traficante Ednaldo de Souza, o Naldo da Rocinha, faz disparos para o alto com um fuzil em 1988: atأ© entأ£o uma raridade — Foto: Reproduأ§أ£o Roberto Uchأ´a, conselheiro do Fأ³rum Brasileiro de Seguranأ§a Pأ؛blica, afirma que, a partir dessa أ©poca, teve inأcio uma corrida armamentista — tanto no crime quanto nas forأ§as de seguranأ§a. Nas dأ©cadas de 1980 e 1990, os equipamentos chegavam para os bandidos pela mesma rota do trأ،fico de cocaأna. — أ‰ o trأ،fico dessa droga que enriquece as facأ§أµes e estimula a disputa entre elas, iniciando uma corrida para ver quem tinha mais armas. Em seguida, a polأcia tambأ©m entra nessa disputa — explica Uchأ´a. A Polأcia Militar recebeu os primeiros fuzis em 1993, por meio de emprأ©stimo do Exأ©rcito. O modelo cedido aos PMs era o FAL 7,62. Alguns anos depois, a corporaأ§أ£o fez sua primeira aquisiأ§أ£o prأ³pria do armamento. Em razأ£o do alto poder de fogo, a utilizaأ§أ£o de um fuzil exige treinamento e controle. Nأ£o أ toa, a prأ³pria polأcia evita usar os modelos de regime automأ،tico, que possibilita atirar entre 700 e 900 projأ©teis por minuto. Porأ©m, sأ£o justamente esses modelos os mais apreendidos com criminosos, como pondera o delegado da CFAE: — O modo automأ،tico أ© uma grande capacidade ofensiva nas mأ£os dos bandidos, uma vantagem desproporcional. Como o criminoso nأ£o se importa com quem estأ، ao redor, ele aperta o gatilho e dispara dezenas de projأ©teis em somente um segundo e meio. Fuzil como parte da paisagem do Rio: polأcia faz patrulhamento com bicos das armas para fora da janela — Foto: Mأ،rcia Foletto Sأ£o 18,2% de toda a أ،rea urbana habitada da Regiأ£o Metropolitana fluminense sob domأnio de algum grupo armado, segundo o mais recente Mapa dos Grupos Armados, realizado no ano passado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni-UFF) e do Instituto Fogo Cruzado. A arma que chegou أ s facأ§أµes no rastro das drogas ultrapassou os limites das comunidades dominadas e espalha tambأ©m espalha hoje o terror nas ruas. Em plena Avenida Brasil, o professor geografia Daniel, de 58 anos — que prefere nأ£o revelar seu sobrenome —, teve um fuzil apontado para sua cabeأ§a num assalto. Execuأ§أµes, desaparecimentos, terreiros de Umbanda proibidos: Complexo de Israel vive sob ditadura do traficante Peixأ£o, que diz ser evangأ©lico — Eu tinha plena consciأھncia de que, se aquele homem puxasse o gatilho, minha cabeأ§a seria estraأ§alhada — relembra a vأtima, que teve carro, carteira e celular roubados. — Depois que registrei o crime, um policial me explicou que os bandidos preferem veأculos altos, por facilitarem o transporte do fuzil. Ao comprar outro carro, escolhi um modelo mais baixo. Aqui, a gente nأ£o escolhe o carro que quer, e sim o que dأ، mais chance de voltar para casa com vida. Pistolas croatas e fuzis turcos: como agia chefe do Alemأ£o apontado pela PF como um dos principais compradores de armas do paأs Baleados mudaram as emergأھncias da rede de saأ؛de A chegada de fuzis أ s mأ£os de criminosos do Rio logo impactou as emergأھncias da rede pأ؛blica de saأ؛de. Os primeiros feridos por armas de longo alcance surpreenderam o cirurgiأ£o de tأ³rax Rodrigo Gavina, de 52 anos, que trabalhava no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, no inأcio da dأ©cada de 1990. O mأ©dico conta precisou recorrer a estudos de balأstica e de traumas de guerra para aprender a tratar os pacientes. Segundo ele, que se tornou um dos maiores especialista no atendimento a baleados, era como se fosse uma “doenأ§a novaâ€. — O centro de gravidade de um projأ©til de fuzil أ© diferente do de outras armas. Devido أ sua velocidade e instabilidade, ele gira dentro do corpo provocando mأ؛ltiplos efeitos de cavidade temporأ،ria. Esse movimento de expansأ£o e contraأ§أ£o suga para dentro do ferimento impurezas da pele, pأ³lvora e fragmentos do prأ³prio projأ©til, tornando a lesأ£o altamente contaminada. أ‰ esse movimento que faz com que um tiro de raspأ£o na costela lesione atأ© o coraأ§أ£o. Por isso, tanta gravidade — explica o mأ©dico, que hoje أ© vice-presidente de operaأ§أµes tأ©cnicas na Rede D’Or Sأ£o Luiz. De acordo com Gavina, a entrada de fuzis no Estado do Rio causou profundas transformaأ§أµes na saأ؛de: — Em nenhum outro lugar do mundo أ© comum presenciar esse bangue-bangue com fuzis. Isso أ© assustador. Mesmo que a vأtima consiga sobreviver, fica mutilada, perde a capacidade de trabalhar ou enfrenta sequelas permanentes que a impedem de retomar a rotina. Esse أ© um custo indireto, difأcil de mensurar, mas extremamente significativo para a sociedade. Veja vأdeo: Dezenas de bandidos do CV do Cearأ، e do Rio, com fuzis, fogem pela mata em aأ§أ£o do Bope na Rocinha Foi o tiro de uma arma dessas que atingiu Caio Douglas Nascimento Wiechers, entأ£o com 18 anos. O jovem seguia para casa de carro com a mأ£e, Alexsandra Nascimento, que entrou por engano na Cidade Alta, no Complexo de Israel, na Zona Norte, em 2022. — Lembro que foram muitos tiros, mais de dez. Quando cheguei ao fim da rua e foi que vi meu filho baleado na cabeأ§a. Parecia um filme. Fique muito impactada porque o Caio sempre foi caseiro. Entأ£o, eu pensava: o Caio estأ، com a mأ£e, e aconteceu isso — relembra. Traumas que nأ£o se curam Contrariando as estatأsticas — mأ©dicos estimam que 90% das vأtimas de fuzil morrem —, Caio sobreviveu e, pouco mais de um ano depois, passou por uma cirurgia para reconstruأ§أ£o do crأ¢nio. Hoje, utiliza uma cadeira de rodas motorizada e faz tratamento com fonoaudiأ³loga. Mas as sequelas daquele dia permanecem gravadas na vida dos dois. Sأ³ recentemente, trأھs anos apأ³s o tiro, Alexsandra conseguiu voltar ao trabalho. Ela conta que ainda sente medo de sair de casa. Mutilados: Rio, a capital dos amputados devido أ violأھncia armada — Sأ³ quem estأ، vivendo o que eu estou vivendo, de ter parado a minha vida, a minha histأ³ria, o futuro dele, vai entender. O Caio queria entrar para o Exأ©rcito. Tudo acabou. Outras pessoas foram baleadas no mesmo lugar e nada mudou — desabafa. Tratamento longo: Alexsandra Nascimento e o filho, Caio Douglas Wiechers — Foto: Domingos Peixoto
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