Por João Arruda | Cáceres
A prática das benzeções, marcada pela fé e pelo misticismo populares, segue viva de geração em geração nas pequenas comunidades rurais do entorno de Cuiabá (MT). Em distritos, como o bucólico Cangas, no município de Poconé, essa tradição é mantida pelo carismático benzedor André Patrocínio Portugal, de 89 anos, uma figura respeitada e procurada por quem busca alívio para males físicos e espirituais.
Morador de um sítio nos arredores do Capão Grande, conhecido como Capelinha – uma referência à pequena capela erguida sob a sombra de um robusto Cumbarú, onde repousam imagens de santos católicos, com destaque para Santo Antônio –, André mantém vivas as lições de fé recebidas da mãe, uma indígena livramentense, e do pai, membro de uma tradicional família luso-brasileira. “É um dom de Deus, mas é preciso ter fé, viver a fé e agir com retidão”, ensina.
Benzedor André Patrocínio Portugal
A rotina do benzedor é simples, alinhada ao compasso da natureza e à devoção. Aos domingos, interrompe o atendimento para participar da Santa Missa. Durante a reportagem do Portal Mato Grosso, em cerca de meia hora, André atendeu quatro pessoas — três adultos e uma criança. Seu ritual envolve rezas, gestos católicos, e o uso de um barbante na medição das articulações, técnica empregada para diagnóstico do “vento virado”, “arca caída”, “mãe do corpo”, “olho gordo”, ansiedade, e até dificuldades no parto.
André relata episódios de fé que beiram o miraculoso. Em uma ocasião, foi levado a Rosário Oeste para abençoar uma pessoa doente, mas um incêndio de grandes proporções bloqueou a rodovia. Ele pediu licença aos demais, rogou a Deus e, segundo os presentes, as chamas diminuíram, permitindo a passagem dos veículos. Em outro caso recente, uma parturiente de Cuiabá buscou suas orações; no dia seguinte, o nascimento correu bem, e a família retornou para agradecer a intervenção do benzedor.
A prática das benzeções entre os Portugal Alves é também um símbolo de respeito ao meio ambiente e à tradição, numa área de mata preservada onde macacos, tamanduás, cutias, veados e inúmeras aves rompem diariamente o silêncio da Capelinha.
O ritual, herdado dos antepassados, mistura elementos do catolicismo, saberes indígenas e africanos, fundamentando-se em passagens bíblicas como as presentes nos livros de Isaías e Ezequiel, que exaltam a importância das bênçãos. “Eu não cobro nada, apenas devolvo aquilo que foi agraciado por Deus”, garante André.
A jornalista Noelma Fernanda Oliveira Portugal, sobrinha de André, é testemunha dos efeitos benéficos das benzeções. “Acalma, relaxa, extrai a tensão do dia a dia estressante”, afirma.
No entorno de Cuiabá, outros nomes ocupam espaço de destaque nesse ofício, como a benzedeira Dona Bugrinha, em Santo Antônio do Leverger, e em Cáceres, o lendário José Laranja, conhecido por afugentar serpentes das invernadas de gado apenas pelo poder da oração. Na capital, o centenário Seo Batú mantém a tradição viva no Jardim Passaredo, mostrando que a fé, passada dos ancestrais, continua curando e confortando gerações.
João Arruda é jornalista em Cáceres | Mato Grosso